- Gênero: Documentário
- Direção: Mari Moraga
- Roteiro: Mari Moraga
- Duração: 86 minutos
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Mari tem sua família espalhada por tantas cidades e países, que é praticamente impossível o encontro de todos os seus integrantes ao mesmo tempo. Mari é filha de um imigrante salvadorenho no Rio Grande do Sul, e sente pelo que nunca pode ter: as respostas para uma vida fraturada. Geografia Afetiva é um dos selecionados ao Cine PE 2024 e talvez seja o filme com a maior quantidade de carinho empregado, e onde nenhum sentimento ruim é despejado em cena. São marcas de um afastamento que se traduz em ausência, em uma sensação constante de perda emocional, e que não é saciado. Sua saída é sair em busca desses membros espalhados por três continentes e o mesmo desejo de dividir afetos.
Mari Moraga também é a cineasta por trás da descoberta de tantos rostos em fotografias, na tentativa de investigar a origem de um passado (ou de vários), a memória de sua mãe. Através do resgate de imagens que pretendiam ser descritas e vividas, por uma forma de contar histórias que são muito mais sensoriais do que necessariamente concretas, o que está em jogo em Geografia Afetiva são uma espécie de acerto de contas que não é tátil. Não há verbalização sobre o mesmo, não há um sentimento de reconhecer algo que se perdeu – ou mesmo nunca tenha tido. O que essa mulher quer, além de dirigir um filme (na verdade, muito além disso) é descobrir exatamente quais são as pedras do quebra-cabeça que lhe faltam.
Não há aqui uma aceitação a respeito da ignorância. Mari verdadeiramente precisa, em meio a tal investigação emocional, descobrir a origem do que procura e exatamente o quê mesmo seja. Sempre me surpreenderei com a honestidade de um autor em expor suas contradições, mas principalmente admiro muito quando alguém assume seu não saber. É humano em todos os sentidos, e no caso de um filme como Geografia Afetiva, nos aproxima ainda mais de uma humanidade pretendida ali. Se a cineasta encontra algo parecido com uma parede à sua frente, é muito interessante que ela continue olhando para tentar compreender a gênese do que sente, e de que caminhos investigar para chegar a uma conclusão, ou várias.
Nossa protagonista percorre um grande espaço geográfico para reafirmar suas origens, mas acima de tudo para encontrar um lugar de discurso que ela não consegue apalpar no rumo correto. É “apenas” uma busca particularizada por um grupo de pessoas cujo sangue escorre pelo mesmo caminho, mas que o afastamento provocou um amortecimento das relações humanas. Boa parte de quem Mari encontra no caminho é defendida por seu desejo profundo de registrar momentos do qual as fotografias revelam um cansaço meio óbvio. Onde se chega quando a escolha não é balizada por um propósito claro, mas pela simples compreensão de se tornar pictórico entre esses dois? Geografia Afetiva alcança um lugar da contemplação mediante o impulso dos corpos em profusão, e com isso chacoalhar as certezas que se têm sobre uma forma de analisar tais formas.
Essa indecisão coloca, por muitos momentos, Geografia Afetiva em um limbo de imagens, como se não houvesse um propósito redentor na criação das mesmas. Mas quem define o que deve ou não ser filmado? Recheado de momento onde tais conclusões não precisam de qualquer definição, é nessa verdade que o filme acaba por escolher uma confortável indecisão, dentro do que ele pretende. Existe a beleza dos encontros, do novo material humano que será criado mediante tal busca e do que ela e sua família estão resgatando. Ainda que as definições sejam rarefeitas, isso não impede o envolvimento do espectador, ou mesmo outra forma de contemplar com uma rédea esse cavalo selvagem que Mari não pretende de forma alguma macular em sua essência.
Um grande momento
O tio-avô