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Caminhos Cruzados

Compreensão e afeto

(Geçiş, GEO, TUR, SUE, DIN, FRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Levan Akin
  • Roteiro: Levan Akin
  • Elenco: Mzia Arabuli, Lucas Kankava, Deniz Dumanli, Nino Karchava, Ziya Sudancikmaz
  • Duração: 104 minutos

O título original é crossing, em português, cruzando ou atravessando. Essa ação abre o filme em imagem: uma mulher caminha um longo percurso, e permanecerá assim durante toda a duração do novo filme de Levan Akin, mas não somente ela. Caminhos Cruzados é sobre deslocamento, sobre sair de um lugar de origem e ir até outro, e não apenas do ponto de vista geográfico. É sobre sair de sua zona de (des)conforto para encontrar as respostas sobre quem se é, sobre quem entendemos no outro, sobre o quê queremos descobrir. É sobre o futuro, sobre mudança e atravessamentos, mas também é sobre um olhar para o ontem tentando encontrar as respostas para o novo ser que podemos ainda almejar… ser.

De E Então Nós Dançamos para cá, Akin amadureceu sua forma de olhar o semelhante. Não há mais uma espécie de romantização dos sentimentos, e uma elegia das dificuldades juvenis, mesmo que estabelecidas em outros contextos de Estado. Não apenas os tipos aqui são tratados com maturidade, como também as situações não estão no campo de repetições narrativas. Como todas as histórias já foram contadas, já dizia o poeta, resta ao autor colocar as “histórias que já vimos antes” em novos sujeitos, ou na fricção que é promovida por esses novos encontros. A camada principal aqui é a da humanidade que resvala nas transformações emocionais de cada um, e do que cada um encontrará ao atravessar sua própria jornada. 

O protagonismo aqui é dividido por três: Lia, Achi e Evrim. A primeira é a motivadora dos eventos, que sai em busca de uma sobrinha que foi expulsa de casa há muitos anos. Achi é um jovem sem perspectivas que será seu guia, da Georgia até a Turquia, provável lugar onde a moça se refugiou. Estando em outro país eles serão ajudados por Evrim, que acaba de se formar em advocacia e tem a transsexualidade em comum com a sobrinha de Lia. É daí também que se entende os títulos, tanto o original quanto o em português, da produção, indo muito além do que está na superfície dos mesmos. Tratando com seriedade sobre a homofobia/transfobia que jaz em tanta gente ao nosso redor, que não se explicita ao tratá-la mas não deixa de traduzi-la de maneira clara, Caminhos Cruzados consegue mostrar tanta dureza de maneira delicada, sem replicar hostilidade, e mesmo assim não camufla a dor que causa. 

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É com essa insuspeita doçura que Akin permite ao espectador adentrar tantas dores, pessoais e familiares, ao observar no que transformou a carência desse trio. Não tendo muito mais a quem recorrer emocionalmente, o filme tensiona a melancolia de cada um dos protagonistas, que vivem o dia a dia do abandono emocional. E o talento do diretor para a aproximação gradual desses cotidiano foi tão depurado de um trabalho a outro, que o filme encontra nos silêncios de cada um seu grande trunfo de ampliar aquelas ausências. Quando Lia caminha sozinha em busca da sobrinha, ou quando Achi passa a madrugada de bares em bares sem conectar-se a alguém mesmo entre tanta gente, ou quando Evrim experimenta um resquício de paixão em quem nem imaginava, é que a força de Caminhos Cruzados se faz ainda mais eloquente. 

Não são desventuras exatamente novas, mas a destreza em unir os tempos mortos a eventos tão ruidosos, em descortinar os lados miseráveis ao qual podemos ser submetidos sem maiores lamentos, e a sabedoria de entender que nem tudo é passível de resolução, compõe um painel de maturidade narrativa. Caminhos Cruzados não é refém de desfechos, porque entende que a vida é tão lacunar quanto contínua; os momentos unidos que se abrem entre pequenas tristezas e ainda menores alegrias, podem estar conectados. É uma obra de caráter transversal, no que concerne aos atravessamentos que cada um em cena é propenso a passar. Não há também qualquer paternalismo na condução dos eventos, o que significa que a emoção não é procurada ou calculada; ela é naturalizada para o desenrolar dos encontros e das situações. 

Além de tudo, para nós brasileiros Caminhos Cruzados encontra um lugar ainda mais cálido em uma referência de universalidade insuspeita. Se a relação que se estabelece entre Lia e Achi, em particular, já nos remete a uma versão modernizada dos nossos Dora e Josué de Central do Brasil, o encontro com um compatriota georgiano na noite turca arregaçam essa percepção. Os detalhes que cercam essa situação específica nos faz lembrar de maneira exata do encontro entre Fernanda Montenegro e Othon Bastos no filme, que trazem mais um dado de melancolia para a obra. Aqui do nosso lado de espectador, é o misto de assistir a um filme tão cheio de camadas e também saber que a obra de Walter Salles não foi esquecida, muito menos perdeu seu impacto. 

Um grande momento

O abraço

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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