Crítica | Outras metragens

Endling

A real resistência

(Endling, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Kelly Yu
  • Roteiro: Kelly Yu
  • Elenco: Dennis Dun, Ava Capri, Elaine Rivkin
  • Duração: 15 minutos

O peixinho dourado é um dos animais mais comuns nos aquários decorativos. De origem chinesa, hoje encontra-se em casas e lojas do mundo todo. Mas e se, de repente, todos deixassem de existir? A extinção da espécie é o mote do mockumentary Endling. No curta, apenas uma peixinha dourada (sim, o gênero importa) sobrevive, Pao Pao, e está sob os cuidados de Richard Chen, um simpático e apaixonado idoso, que passa os seus dias fazendo valer a sua função de guardião. O filme passa pela proliferação dos dourados no mundo, destacando o tom de xenofobia que alcança qualquer coisa que venha da China nos Estados Unidos e o descaso com o meio ambiente, que, associado a qualquer humano em uma sociedade capitalista, vai além do país norte-americano.

Antes disso, procura saber da história, ou melhor, do mito por trás da espécie e chega até o famoso Portal do Dragão. O local, no topo da cascata do Rio Amarelo, virou alvo das carpas que enfrentavam as águas da cachoeira. Na lenda original, tudo começa com Yu, o Grande, o controlador das águas, e seu corte na montanha que fez com que as carpas passassem de um lugar a outro sem conseguir retornar a sua origem. Ouvindo suas reclamações, o Imperador de Jade prometeu que a carpa que cruzasse o Portal do Dragão seria imediatamente transformada em um dragão, podendo voar livremente. Endling se inspira nisso e, em sua adaptação, faz com que as carpas estejam cansadas de sua falta de cor e com que os dragões sejam, na verdade, o conhecido peixe dourado.

A diretora Kelly Yu também busca a ciência e a manipula, indo além da inverossímil extinção súbita de tão populosa existência e conte a história do cruzamento de carpas, suas cores e a distinção da aparência do pequeno animal doméstico. Para isso, traz à cena Bat Zenilman, uma bióloga especialista, que tenta entender não só a resistência e sobrevivência de Pao Pao, como esclarecer o mistério das espécies e sua permanência no mundo. Essa mescla de inferências chega de maneira diferente. Endling começa com uma bela animação e passa pela simulação de programas de TV de diferentes épocas até chegar à gravação de seu “documentário”.

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O nome do filme vem da residência sênior, ou algo do tipo, onde Pao Pao hoje habita. Endling Home Care, avisa o letreiro, é um local para espécies que são as últimas de seu tipo. A extravagância do local, um trabalho incrível de Annie Becker, Kaylinn Duff e Helen Morales no desenho de produção, direção de arte e cenografia, respectivamente; assim como a participação bem-humorada de Elaine Rivkin como a recepcionista, trazem o humor, mas também ressaltam a melancolia daquelas outras duas criaturas que habitam um mundo descompassado e tão distante. A doçura de Richard, num atuação apaixonante de Dennis Dun, e a insistência de Bat, assim como a paixão e dedicação de ambos, os fazem ímpares e, aqui, últimos, assim como a peixinha que ocupa a vida dos dois.

O filme, na forçada falsidade do gênero escolhido, vai criando espaços para que essas duas personas se apresentem e se estabeleçam. O roteiro é da própria Yu, e, se nas respostas dadas muito se constrói, nos momentos de devaneio alcança-se a proximidade com cada um dos personagens e com o próprio tema. Na figura do peixinho dourado que um dia venceu o maior dos desafios, Endling fala de solidão e finitude, de sentimentos que vão da frustração à gratidão e provoca constatações que tornam tudo muito próximo e real. Sem deixar de ser divertido, trata da vida e do ser humano de uma maneira profunda, fazendo com que a identificação seja inevitável. É difícil não se envolver.

Um grande momento
“Esqueci a pergunta”

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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