Crítica | Festival

A Lasanha Assassina: A Revolta das Massas

Sem limites para imaginar

(A Lasanha Assassina: A Revolta das Massas , BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Ale McHaddo
  • Roteiro: Ale McHaddo, Luiz Felipe Mazzoni
  • Duração: 88 minutos

Ale McHaddo, bem antes de embarcar na contínua feitura de comédias em parceria com Leandro Hassum, era uma profissional da animação, em curtas metragens inspirados, e em longas de relevância para o ainda nascente mercado de audiovisual animado brasileiro. Uma de suas criações mais impressionantes foi o curta metragem A Lasanha Assassina, que deu origem ao ainda mais sedutor longa A Lasanha Assassina: A Revolta das Massas, um título que investiga tantos formatos e gêneros do cinema, que o mais surpreendente é que suas referências acabem por criar conexão saudável. Mais que isso até, o trabalho de autora de McHaddo aqui tem um olhar muito carinhoso para tudo o que sai do papel. 

Seu título passeia por detalhes muito cuidadosos, entre se aproximar de uma cultura de gêneros que possa também possibilitar leitura fácil de todos os públicos, e não apenas daquele consumidor voraz de cinema – e de sub gêneros específicos. A força de A Lasanha Assassina: A Revolta das Massas (que está em cartaz na edição 2024 do Animaí, festival de animação baiano) reside no fenomenal poder de criação de uma autora que sabe mover as peças não somente da indústria, mas da própria cinefilia. Motivada por tudo o que consumia durante a infância e juventude – já que um filme como esse não é obra de alguém não menos que muito apaixonado – a autora compõe um painel de compreensão da adolescência e dos próprios códigos do cinema.  

Em tese, trata-se de um ponto de partida simples, que já circundou tantas outras produções, geralmente conectadas à década de 80 e seu punhado de adolescentes em conflitos. Aqui, temos um trio de amigos às voltas com uma aventura típica do período, mas cuja propensão ao horror torna o espetáculo mais saboroso. Como diz a autora, é uma espécie de “horror infantil/mirim”, onde os lados posicionados pelo universo garantem diversão incomum. A Lasanha Assassina: A Revolta das Massas é, com pouca chance de errar, um objeto raro no nosso cinema, talvez com uma proximidade a Historietas Assombradas e ao sonho de vermos, um dia, um longa animado da Turma do Penadinho, subdivisão da obra do Maurício de Sousa que mais me interessava na infância. 

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Do que está ao alcance de McHaddo, estamos diante de um trabalho de tintas fortes e muito expressivas, onde a nostalgia impera e uma sensação de alívio diante do campo da experimentação das imagens em torno de uma meninice cinéfila, como eu também tive. Parece ingênuo, mas acompanhar um grupo de crianças que também têm apreço pelo horror, e se aprofundam em suas vertentes mais gráficas, é uma maneira de sentir a minha própria história também revisitada. Através de sua formação em histórias em quadrinhos e seu apreço pelo lugar onde habita, a diretora do surpreendente Meu Cunhado é um Vampiro aplica mais do que memória em seu longa animado, extraindo dele uma qualidade imagética marcante.

Além disso, McHaddo é excelente contadora de histórias, e A Lasanha Assassina mostra que ela também é tão boa quanto, dialoguista. Todos os momentos tem uma naturalidade rara de ser vista em animações, que não se importam com uma certa criação de uma noção fantástica, ainda que “só uma pitada”, para apresentar suas armas. Aqui, vemos muita tranquilidade na hora de compor planos e verdades, para que os personagens habitem verdadeiramente sua realidade. Não trata-se de um cenário naturalista, decerto, mas conseguimos imaginar aquele humor tão peculiar existindo em uma lógica interna, que não é uma exacerbação do real, e sim um desdobramento dele. 

O inusitado é uma porta de entrada para o cinema que McHaddo realiza, e sua imaginação é bem mais aguçada na área da animação, quando suas comportas de ideias parecem não ter limites. O que vemos em A Lasanha Assassina: A Revolta das Massas é um exemplo controlado dessa sua qualidade, de enxergar além do óbvio tanto dentro do campo da imagem, quanto nas relações humanas que investiga. Essa capacidade de não se cercear, e permitir que a fantasia trafegue pelos limites da normalidade é o que molda seus melhores predicados. 

Um grande momento
A transformação no porão 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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