Crítica | Festival

Kickflip

Salto no vazio

(Kickflip , BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Documentário / Híbrido
  • Direção: Lucca Filippin
  • Roteiro: Lucca Filippin
  • Duração: 88 minutos

Se houve uma resposta para a provocação-tema ‘Que Cinema é Esse?’ bancado pela Mostra de Tiradentes esse ano, foi em relação a concentração de filmes centrados em uma espécie de individualismo esse ano. O ‘cinema do eu’ marcou presença em diversas seções do evento, intercalando os discursos de seus autores-personagens e tornando as propostas de hibridismo narrativo quase como uma extensão de si. Além de Uma Montanha em Movimento e do filme-evento Um Minuto é uma Eternidade para quem Está SofrendoKickflip talvez represente a síntese de Tiradentes como nenhum outro dessa edição. Uma maneira radical de mostrar a própria cara para o evento, o filme não deixou a plateia indiferente, e nem tinha como. 

Lucca Filippin filma a si e a seu melhor amigo no cotidiano de ambos. Uma dupla de adolescentes com interesses típicos da idade, como andar de skate, gravar vídeos para a internet, enfiar a maior quantidade de marshmallows possíveis dentro da boca, e outras finezas/estripulias/aventuras pelo caminho. Ao que parece, tais títulos desse ‘cinema do eu’ são monitorados, obviamente, pelo estado de espírito de quem filma e é filmado. Nesse sentido, Kickflip é uma aula de honestidade narrativa; tudo o que vemos parte do pressuposto do interesse particular de seu autor, que ainda aproxima seu olhar exatamente da sua faixa etária, montando um painel tão universal quanto ligeiramente preocupante. 

Alguns textos considerarão a maneira despojada com que tudo está em cena, desde o autor até suas provocações, desde seu companheiro de enquadramento até a língua que ambos falam, cuja simplicidade coletiva provocará algum tipo de catarse. Ao meu olhar, no entanto, Kickflip não consegue fugir (e nem acho que queira) escapar de um legado que Gus Van Sant deixou à juventude desconcertada, sob a qual sua mensagem se explicita. Tanto Paranoid Park quanto Últimos Dias se sentem à vontade entre as provocações de Filippin, que tanto na euforia bebe dessa fonte quanto na sua depressão mais profunda. É um caminho que já vimos ser cruzado, e tá tudo bem inspirar novos realizadores. 

O vazio existencial que podemos apregoar ao valor conseguido pelas imagens produzidas, e sua seguinte sensação de desespero silencioso, poderia ser um ativo da produção. No entanto, Kickflip não salta de seu ‘punch’ para uma outra escala de percepção. Não há um desenvolvimento de personagens que não se coloque frontalmente desde os primeiros minutos, e acaba por se mostrar insuficiente para promover um outro sentido de motivação para o que vemos. Enquanto as outras obras que embarcam em propósito de formato semelhante avançam sobre suas proposições, e não necessariamente contemplam seu propósito, aqui a espiral gira para tornar para o lugar de origem. 

A exasperação de seus dois personagens não é, mesmo ela, um sintoma de outra coisa que não seu propósito inicial – estamos na linha de colisão com o que nós mesmos provocamos, emocionalmente falando. Entendo o comprometimento da curadoria em programar essas cirandas particulares, e compreendo a partir daqui que ainda mais tenha sido oferecido, provocando um painel sobre essas auto verdades. No caso de Kickflip, a provocação (que se assemelha a uma inspiração nada particular) se esvai quando os elementos se encontram e se amalgamam diante do nada, resultando em uma experiência que parece muito menos pessoal do que tenta evocar. 

Um grande momento

O anúncio em vídeo 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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