Crítica | Festival

The Bearded Girl

Fora do padrão

(The Bearded Girl, CAN, 2025)
Nota  
  • Gênero: Fantasia
  • Direção: Jody Wilson
  • Roteiro: Jody Wilson
  • Elenco: Anwen O'Driscoll, Jessica Paré, Skylar Radzion, Jude Wilson
  • Duração: 101 minutos

No universo improvável de The Bearded Girl, o circo, mais do que atração, é herança, prisão e espelho. Cleo (Anwen O’Driscoll) carrega no rosto a barba que a liga a oitenta e oito gerações de mulheres que fizeram do próprio corpo espetáculo, mas também poder. A tradição, conduzida com mão firme por Lady Andre (Jessica Paré), sua mãe e mentora, é clara: seguir com o número de engolir espadas e manter viva a glória das mulheres barbadas. Entre a pressão materna e o desejo de viver fora da lona, Cleo começa a perceber que precisa escolher entre a tradição e a liberdade.

O filme de Jody Wilson parte de um ambiente particular, mas fala de algo mais amplo, do peso dos legados e do custo da independência. O circo, com seus números coloridos e excêntricos, é também um microcosmo familiar regido pela hierarquia. Cleo vive no limite entre o orgulho de pertencer a uma linhagem única e a vontade de experimentar uma vida em que sua barba não seja a primeira coisa que todos vejam. O choque com Lady Andre, mais do que pessoal, está entre conservar um espaço que desafia padrões estéticos patriarcais estabelecidos e a busca por um caminho onde a diferença não precise ser vendida como curiosidade.

Ao mesmo tempo, o filme enxerga o circo como comunidade resistente. No mundo capitalista, é pela união que aquele grupo enfrenta o oportunismo de empresários dispostos a expulsá-los de suas terras. Sem ser o primeiro a fazer isso, mas mantendo sua originalidade, The Bearded Girl traz o circo como metáfora de espaços marginais ameaçados pela padronização. Ali, a diferença não só existe, mas é celebrada, ainda que à custa de compromissos pessoais. E quando a protagonista decide se barbear e sair pelo mundo, este é tanto um ato de libertação quanto uma ruptura com uma história coletiva que também a formou.

The Bearded Girl é, antes de tudo, sobre identidade e pertencimento. Fala sobre heranças que são tanto âncora quanto amparo, e sobre a coragem de se afastar de um mundo que também é lar. Cleo encontra um caminho, mas a lona continua a existir em sua vida e a barba não para de crescer. Ela nunca deixará de ser quem é, pois tradição e transformação raramente se excluem por completo. No fim, a liberdade pode ser descoberta e alcançada de várias maneiras.

Um grande momento
Espada com sangue

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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