- Gênero: Drama, Suspense
- Direção: Gustavo de Carvalho
- Roteiro: Gustavo de Carvalho
- Elenco: Camila Botelho, Isabela Guido, Ricardo Bagge, Bruna Domingues, Ivan Pinto, Luisa Cação, Danilo Salomão
- Duração: 20 minutos
-
Veja online:
Ao abrir texto crítico afirmando a necessidade de se notar um jovem autor, o calor da emoção nos faz esquecer que certos movimentos já foram feitos antes. Por exemplo, Gustavo de Carvalho, que dirigiu há alguns anos Voto Nulo, um exercício de tensão em lugar onde a expectativa é cada vez maior na nossa realidade. Mas entende-se o espanto de achar que não ouvimos antes o nome do diretor a partir da experiência com Arame Farpado, seu filme novo, porque esse é um daqueles encontros que definem o futuro de um autor. Creio que todo o material apresentado aqui, que estreou no último Festival de Berlim, mostram uma maturidade cênica tão elaborada que uma sessão apenas é insuficiente para capturar todas as informações que as imagens compreendem.
Muito rapidamente fica claro no plano que Carvalho não está para brincadeira. É a forma como ele escolhe adentrar aquele micro universo, que ele vai implementando de elementos cada vez mais, e nunca deixa de ser um micro universo, ainda que o escopo esteja cada vez mais amplo. Não é algo que se faz com pouca destreza, porque não se trata de um ‘filme coral’, ou coisa que o valha; existe um foco único, mas que revela mais do que sua ‘contação’, mas principalmente sua capacidade de invadir os espaços e borrar sua narrativa com várias pitadas de acaso. Ou seja, é sim o seu processo como realizador, mas nunca deixa de cobrir o que ele também banca como roteirista.
Sem nunca deixar de contar o que deseja, abrindo inclusive inúmeras elipses por dentro desse campo que não são (e nem precisam ser) definidas, Arame Farpado também versa sobre o espaço que vemos. A emergência – de fato e eventual – que invade uma história sobre ebulição adolescente, mágoa familiar, e um posterior apaziguamento de eventos, que sossega uns corações e destrói outros. Carvalho não trata seus personagens com paternalismo, e talvez até mesmo haja alguma pequena crueldade digna do destino, mas entende que mesmo suas pequenezas mereçam misericórdia. O filme nunca deixa de avançar suas ações, e acrescentar camadas ao que está sendo discutido, seja no quadro geral ou no detalhe mais íntimo.
Impressiona ainda que Carvalho persiga tanto, em tão pouco tempo (são 20 minutos que parecem 1 hora, tamanha a disposição de fatores e consequências), linhas que paralelizam os domínios de cada plano, na tela. São detalhes que correm sem atrapalhar a condução dos eventos, mas que mostram um autor com os olhos conectados em tudo que vemos, como a maca da ambulância que é expandida para a bicicleta da protagonista, enquanto ela tenta, a um só tempo, agir e entender o que está explodindo à sua volta. Ou quando a brilhante montagem de Diego Rossi e Jianni Alesi intensifica os eventos da primeira parte, a aproximação do caminhão, a bicicleta, as movimentações para o título do filme, Arame Farpado, que vai além do objeto físico.
A parceria com o fotógrafo Renato Hojda consegue a textura necessária para que suas intenções estejam cada vez mais claras, embora nunca óbvias; são cores e luzes, e a maneira como o foco nunca está restrito. São camadas de leitura, que as lentes de Hojda expandem quando é preciso, e restringem quando a narrativa se propõe ao campo mais específico. São dois nomes que movem todo aquele espaço-campo, espaço-tempo, e o que mais for preciso (junto com Rossi e Alesi) para criar o arsenal na qual mergulhamos. Verdadeiramente exasperantes, as imagens fotografadas aqui criam, também elas, o tanto de entendimento para as incertezas que Arame Farpado procura, mas nunca de caráter narrativo. É uma confusão proposital, dos sentidos, dos excessos, das descobertas.
Porque é da força de uma união improvável e não desejada que se desenrolam (e voltam a enrolar, ironicamente) aqueles destinos, no espaço de quase 24 horas. Não são apenas as irmãs, sua mãe e o caminhoneiro que serão afetados, mas a recepcionista do pronto socorro, a esposa do pastor, a criança que vomita, todos ali. Politicamente, Arame Farpado potencializa os afetos de quem perdeu a geração em que se confiava, sem saber que escolhas foram feitas e que excluíam seu nome. Se é muito forte enquanto realização, tudo o que é suscitado em cena só arregimenta ainda mais questões e ideias. Gustavo de Carvalho precisa ser seguido de muito perto, porque é próximo a autores como ele que o Cinema parece estar em sua expressão mais progressiva; sempre adiante, sempre intenso.
Um grande momento
O entorno gráfico do acidente
[36º Kinoforum – Festival Internacional de Curtas de São Paulo]


