- Gênero: Drama
- Direção: Giovani Beloto
- Roteiro: Giovani Beloto
- Elenco: Sasá Carvalho
- Duração: 20 minutos
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Corre em paralelo ao olhar compreensivo do diretor Giovani Beloto para seu protagonista, um aroma político inconfundível, e que está nas entrelinhas de O Homem-Som de maneira quase explícita, na forma como envolve essa história tão delicada e, pasmem, silenciosa. Porque o autor tem a sacada genial de tirar de seu personagem central a capacidade da comunicação – ou apenas sua vontade de interação com o outro. Qualquer que seja a escolha, denota em Beloto uma vontade de fazer sua voz menos calcada em exclusivo no naturalismo das imagens, porque sua propensão também busca uma discussão que não é a primeira linha de análise. Essa busca abraça as condições de seu personagem em representar uma fatia do país de maneira ultra nichada, específica, mas que se comunica com o todo dele.
Estamos olhando para um homem da comunicação da maneira mais pura possível. O protagonista aqui trabalha sozinho em carro de anúncio sonoro, com alto falante para alcançar os ouvidos que estiverem mais distante. Isso o coloca em contato com essa possibilidade diária de perder suas possibilidades auditivas, no que isso também pode significar uma escolha deliberada. E porque colocar seu protagonista nessa situação-limite, se não para simbolizar esse campo ilimitado de pessoas que perdem gradativamente seu entorno sonoro, diante do assolar de informações que minam nosso histórico. Estou obviamente usando uma teoria metafórica para falar de um apagamento das discussões, e não de uma doença diagnosticada; a surdez do qual O Homem-Som reverbera é a política, e o filme ecoa isso.
Beloto tem a sensibilidade em investigar seu personagem-título através das ações, que independem do som, do qual ele prescinde. Sua rotina é a mola narrativa em cena, com a câmera se aproximando gradativamente dessa existência baseada em uma atividade que o define, e lhe faz perder as possibilidades. O Homem-Som não escapa de uma observação cheia de camadas que escapam nas entrelinhas, onde o eco não está apenas na força de um alto falante, mas em tudo que compõe a paisagem sonora de uma obra audiovisual. Com esses elementos, seu autor monta um espaço de entendimento que está no que vemos, mas principalmente no que ouvimos; esse é um dos sentidos mais ricos do filme, que não se encerra no óbvio em campo das imagens, mas que entende que uma imagem também precisa de uma banda sonora para ser completa à experiência audiovisual.
Muitos dos predicados que Beloto consegue imprimir em tela, são perceptíveis pela qualidade da entrega e do achado que é Sasá Carvalho. A narrativa passa toda pelo seu rosto, pela maneira como ele interage com os movimentos de câmera, e pela maneira como ele interage com o imponderável que o filme apresenta. O diretor não utiliza seu corpo, mas a matéria ainda mais complexa, que é a manutenção, cena a cena, de um rosto do qual o filme retira o embrutecimento para encontrar uma nota sensível. Não está no explícito, mas na tessitura menos óbvia do que é pedido, por isso mesmo ainda mais raro e complexo; O Homem-Som não se completaria sem um trabalho onde a angústia tangenciasse todo seu arsenal de discussão, e isso é encontrado no olhar de seu ator.
De uma emulsão entre o que é possível politicamente naquela história, e o que seu ator carrega para a tela, O Homem-Som ressignifica um modelo de compreensão do audiovisual ao apostar nesse hibridismo, entre a imagem e o som, entre o corpo e o rosto. Ao lado dessas margens que o filme vai borrando, o que cresce em lugar cada vez mais insuportável é o incômodo. O filme não define para onde precisa mover aquele personagem, mas o faz e nos carrega junto. É complexo assistir no melhor dos sentidos, porque essa é a proposta – tirar nossa comodidade e nos arremessar neste campo onde tudo é tóxico e nos abafa, até não restar mais nada. Apenas a dor de ter perdido qualquer referência, e ela ser cada vez maior e mais apavorante.
Um grande momento
O botequim, e o som do telejornal
[36º Kinoforum – Festival Internacional de Curtas de São Paulo]


