Crítica | Festival

A Casa

De todas as famílias

(La casa, ESP, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Álex Montoya
  • Roteiro: Álex Montoya, Joana M. Ortueta
  • Elenco: David Verdaguer, Luis Callejo, Óscar de la Fuente, Olivia Molina, María Romanillos, Lorena López, Marta Belenguer
  • Duração: 81 minutos

O silêncio das paredes guarda mais do que lembranças, guarda o peso de quem já foi e nunca deixa de ser visto. Em A Casa, Álex Montoya parte da morte do pai para reunir três irmãos num verão decisivo: vender ou manter a casa que virou núcleo de identidade, lar e ferida. A narrativa desliza entre o presente e o passado, e é nesse movimento que o filme encontra sua sensibilidade, envolvendo o espectador numa conversa íntima com o luto e o vínculo familiar.

Desde o primeiro momento, a casa se impõe como personagem. Cada sala vazia, cada corredor de memórias funciona como espelho de tudo que ficou guardado. Montoya opta por flashes de lembrança, com imagens antigas e granuladas, que invadem o agora sem rupturas bruscas. Essa mistura de temporalidades se escreve de modo suave, mas dolorido. O passado não é projeção, está no espaço físico da casa, se fazendo presente em objetos e sons. Quando um dos irmãos abre uma janela, parece que abre também o que estava trancado dentro de cada um deles.

A dinâmica entre os personagens é o eixo do filme. Há concreto e conflito na convivência: risos breves, ressentimentos que se insinuam, mágoas não faladas. Interpretados com delicadeza por David Verdaguer, Óscar de la Fuente e Lorena López, os personagens se movimentam entre o desejo de conservar a memória e a urgência de libertar-se do peso. É fácil reconhecer os impasses: quantas famílias não são aquela ali representada? Quantos de nós já hesitamos em desfazer laços ou em desmontar o ninho que nos formou?

No entanto, o filme não depende da dor como espetáculo. A força de A Casa está na leveza com que confronta o limite entre o íntimo e o universal. A montagem privilegia o respirar dos corpos, os silêncios que pesam mais do que qualquer diálogo. Não há pressa em vincular tudo em explicação. Nos momentos cruciais, Montoya deixa espaço para que o espectador entre no quadro e coloque ali suas próprias feridas, reconheça seus medos. A melancolia do filme é cheia de ar, não é carregada. A fotografia de Guillem Oliver reforça esse clima, a luz atravessa frestas e as sombras ocultam cantos onde a memória talvez se esconda.

Tudo isso torna o longa envolvente. Mesmo quando o ritmo se perde, a batida emocional persiste. A casa não fecha suas portas, permitindo que a saudade caminhe e o silêncio chame de volta aquilo que queremos manter vivo. Ao final, não se trata de decidir se se vende ou não o lugar, trata-se de entender que ele é feito tanto de matéria física quanto dos vazios que deixamos. Nesses vazios o filme continua existindo em quem o assistiu.

Um grande momento
A despedida

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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