- Gênero: Animação
- Direção: Maggie Kan, Chris Appelhans
- Roteiro: Danya Jimenez, Hannah McMechan, Maggie Kan, Chris Appelhans
- Duração: 88 minutos
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Qual a explicação lógica para uma animação de inspiração (e ambientação) coreana, percorra há quatro meses entre os filmes mais assistidos de um canal de streaming, tornando-se assim o maior de sua História? Talvez o veredito mais óbvio seria apontar a qualidade extrema do que está sendo aqui analisado. Ao assistir a obra que justifica tal discussão, Guerreiras do K-Pop, e tentar entender um pouco além desse fenômeno global, tentando encaixar as peças que sedimentam o que assistimos, outras respostas são exigidas pela própria ideia. A mais evidente de todas é um elemento que costuma dar as caras em animações, e aqui realiza um feito e tanto: o manancial de carisma que é exalado aqui é algo impressionante.
Guerreiras do K-pop estreou na Netflix em 20 de junho, com alguma expectativa, mas o alarde não correspondia ao que se viu posteriormente. Alçado à imenso e instantâneo sucesso nos EUA, aos poucos o filme foi conquistando cada parte da audiência mundial, e pouco mais de um mês depois, só se falava nisso. Quatro meses depois, não há sequer sinal de diminuição de sua comunicação com o público que o transformou no que vemos. Dois meses após a estreia, a Netflix promoveu algo inédito em 10 anos: não somente lançou o filme nos cinemas por um fim de semana, como liberou os números de público. O resultado foi quase 20 milhões de bilheteria, o primeiro lugar entre os mais assistidos, e a legião de fãs que continuava a crescer.
Tudo isso pode ser justificado pela simplicidade com a qual a animação dirigida e escrita por Maggie Kan e Chris Appelhans alcançou o público, aliado ao processo de popularização do gênero musical coreano que transformou jovens em astros pop, como os da banda BTS. A música embala toda a história, até porque gira em torno de um trio de meninas que formam o grupo de k-pop de maior sucesso da atualidade, o HUNTR/X. Por trás do que sua imagem de ídolas sugere, elas escondem o segredo de caçar demônios que têm interesse em dominar a Terra desde o início dos tempos. Em sua atual encarnação, o grupo tem um sucesso desmedido, mas precisa enfrentar dentro e fora dos palcos o Saja Boys, que chega disposto a ameaçar sua popularidade, e também a vida no planeta.
Decerto, precisa ser dito que Guerreiras do K-pop incorre em uma mensagem que vem se repetindo quase à exaustão entre as animações de todo mundo hoje, que é a aceitação às diferenças. Uma das protagonistas do filme, Rumi, esconde um segredo que a ressignifica perante à sociedade, mas principalmente entre suas amigas, e ela prefere escondê-lo a perder a aceitação de todos. O roteiro guardará uma grande lição para ela, e o filme verdadeiramente tem um caminho livre para seguir inclusive entre possíveis continuações ainda nesse segmento específico. Apesar disso, há a consciência de que tal moral da história é não apenas universal, como necessária em um mundo onde as diferenças são literalmente exterminadas. Isso também cria um paralelo com a própria base da premissa do filme, porque parte disso seu conceito – acabar com o mal, sem sequer dialogar com ele.
Quando o tal diálogo com a outra parte enfim acontece, o filme não mostra apenas identificação, mas acima disso – compreensão do outro. Talvez com uma lupa mais aprofundada, o filme possa incorrer em velhas máximas preconceituosas, como “o sonho do oprimido é tornar-se opressor”, e ver tal mudança com alguma doçura possa ser encarado como algo preocupante. Mas não podemos esquecer que a produção mira o público infanto-juvenil, que está dedicando parte de seu movimento para difundir a diminuição do que nos aparta. Não creio que o filme tente guardar em cada espectador uma semente de projeção identificada, mas não podemos imaginar que isso não seria possível por sua aparente inocência narrativa. É justo perceber em Guerreiras do K-pop que lhe interesse um futuro franqueado com muitos capítulos, e observar os próximos desdobramentos do tema.
Com suas músicas coletivamente entre as mais ouvidas, com passagem pelo Oscar praticamente certa (por ter tido a sorte de pegar o mais fraco ano para as animações de tempos recentes), Guerreiras do K-pop parece ter se blindado contra análises mais profundas. Não é por ter o entretenimento como mola propulsora, e uma atmosfera das mais simpáticas, que o filme estaria livre do aprofundamento do olhar crítico. Mas o caso aqui parece não querer ir além do que a vista alcança, ainda assim provocando a identificação coletiva, e atraindo o público certo para o produto. Mesmo o rebuscamento estético soa minimamente controlado para não atrapalhar a apreciação de outros públicos; a expressão “filme-conforto” poucas vezes fez tanto sentido.
Escrito a oito mãos, nada de muito relevante é apresentado em cena; existe a impressão de que estamos assistindo um título referente a muitos outros também esteticamente, como Homem-Aranha no Aranhaverso, e bebendo de uma fonte propensa a modismos. No entanto, a comunicação com a obra é imediata (o espectador sai automaticamente conectado a “Golden” e “Soda Pop”, as duas canções mais chicletes do filme), o colorido do que vemos é instigante, a versão infernal do cenário remete ao Renascentismo tanto visualmente quanto em suas descrições literárias, e a diversão é ligeira, muito adequada ao tempo em que vivemos. Guerreiras do K-pop é um acerto exatamente no alvo em que é mirado, suficiente na exigência, sem precisar tentar buscar algo além do que é oferecido.
Um grande momento
“Soda Pop” (ou “Meu Pequeno Guaraná”)


