- Gênero: Drama
- Direção: Pedro Pinho
- Roteiro: Pedro Pinho, Miguel Seabra Lopes, José Filipe Costa, Luísa Homem, Marta Lança, Miguel Carmo, Tiago Hespanha, Leonor Noivo, Luís Miguel Correia, Paul Choquet
- Elenco: Sérgio Coragem, Cleo Diára, Jonathan Guilherme
- Duração: 210 minutos
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Co-produção entre Portugal, França, Romênia e Brasil, O Riso e a Faca tem predominância portuguesa quando adentramos o universo pintado ali. Trata-se de uma curiosa visão que confronta colonizadores e colonizados para mostrar que nem tudo mudou com o passar dos séculos, e que muitas vezes – ou na maioria delas – os personagens continuam ocupando os lugares de sempre. O campo não foi superado, os problemas históricos foram varridos para baixo do tapete, mas a qualquer nova curva, tais valores ancestrais voltam à tona, e o discurso de reparação, que muitas vezes nem precisa ser dito, não pode deixar de ser ao menos levantado, para que pessoas boas percebam erros cometidos de maneira estrutural.
A narrativa segue a chegada de Sérgio, um engenheiro ambiental que chega a Guiné-Bissau para avaliar a construção de uma estrada e seu impacto nas comunidades que a abrigarão. Ele vem substituir Leonardo, que desapareceu após ser demitido da função, e esse sumiço vai traumatizar gradativamente o novo profissional. Paralelo a isso, ele se envolve com Diára e Guilherme, ao mesmo tempo em que começa uma investigação informal para descobrir o destino do seu antecessor. O Riso e a Faca é uma produção desafiadora para o espectador, porque são poucos os títulos hoje que tem a coragem de apresentar três horas e meia de duração em um ritmo que não é necessariamente o mais ágil, embora também passe longe de alguma lentidão.
Sem dúvida ousado na proporção, o filme dirigido por Pedro Pinho (do excepcional A Fábrica de Nada) não tem medo de avançar suas intenções rumo a um lugar de risco na edição. Definitivamente, sobra mensagem em O Riso e a Faca, mas nada está fora do lugar que deveria. Uma quantidade desnecessária de personagens, e outro tanto de rumos inusitados que o filme poderia ter passado sem evoluir, e em alguns casos sobre a inadequação mesmo. Mas não se pode negar a Pinho sua capacidade de transformação; quando temos a certeza do lugar para onde o filme está indo, seu autor faz um giro em si mesmo e reverte o quadro, ora para o início de um novo ciclo, ora para uma passagem repetitiva que nunca deixa de encantar.
Um exemplo mais claro do que está sendo dito, é toda a sequência enorme que envolve a viagem do personagem para a construção da estrada, onde um tanto sem igual de personagens são acrescentados, conflitos que quase terminam em tragédia são deflagrados, e, não mais que de repente, uma borracha é passada em tudo. Isso impede novas camadas de algumas relações serem construídas, como entre Sérgio e Guilherme, cuja tensão está latente desde o primeiro encontro. O segundo personagem, vivido pelo brasileiro Jonathan Guilherme, é um manancial de carisma que está sempre à beira de roubar o filme para si, e suas inserções não são tão bem aproveitadas quanto o seu personagem pediria.
A premiada no Festival de Cannes Cleo Diára é outra jóia de composição afinada. Acompanhando o material arriscado, a atriz parece se mover para muitos setores distintos, mas sua entrega é de bastante coerência; há uma revolução por baixo do que a personagem apresenta, uma mulher que entra em cena como uma aparente trambiqueira, e sai da produção como uma heroína politizada e até com um certo romantismo. A química entre ela e qualquer outra pessoa do elenco, incluindo as pessoas com quem ela briga, mostram o tamanho da atriz em cena. O trabalho de Sérgio Coragem pode parecer mais sutil, mas é sua observação que move O Riso e a Faca na direção da provocação, mudando sempre os rumos do que vemos, e montando um quadro que fala sobre as contradições de cada um através dos tempos.
Essa talvez seja a grande qualidade de O Riso e a Faca: apresentar personagens que sustentam um discurso de humanidade mutante, podendo ir de um pólo a outro em minutos. O roteiro, escrito a espantosas vinte mãos (!!!), não é um dos seus pontos fortes, pelos motivos óbvios – o excesso de eventos, personagens, ações, é muito evidente, e tira o compasso de uma produção que tinha um raio de intenções forte. Mas, outro exemplo, a cada encontro entre Sérgio e Horácio, o filme mostra que tais questões ancestrais ainda não foram superadas, nem absorvidas; quem bate esquece, quem apanha não.
Um grande momento
Sérgio e Horácio no bar da boate


