Crítica | Festival

Canções das Árvores Esquecidas

Lembranças de um amor perdido

(Songs of Forgotten Trees, IND, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Anuparna Roy
  • Roteiro: Anuparna Roy
  • Elenco: Naaz Shaikh, Sumi Baghel, Bhushan Shimpi, Ravi Maan, Pritam Pilania, Lovely Singh
  • Duração: 80 minutos

Há filmes que não se preocupam com o entendimento, apenas se deixam sentir como fragmentos de algo que talvez tenha sido vivido em outro tempo. Canções das Árvores Esquecidas, de Anuparna Roy, é um desses. Conta uma história no sentido convencional sem realmente fazer isso. Não se preocupando tanto em ligar as cenas ou justificar símbolos, prefere o intervalo, o vazio, as pausas. E ali, onde nada se explica, marca a sua certeza: existe um amor eterno. Aqui, no caso, impossível, daqueles que não se lembram com nitidez, mas apenas com uma espécie de frio, como uma memória não vivida.

O reencontro de Shweta e Thooya não é de carne, é de alma. Elas não se tocam, não se resgatam, não resolvem um passado. Apenas existem uma diante da outra como se estivessem olhando através de décadas ou encarnações. O filme nunca diz se esse amor de fato aconteceu ou se é apenas o vestígio de algo incompleto. E talvez o que mais inquieta seja o modo como Roy filma o afeto, não como presença, mas como assombro. Há ternura, mas ela vem coberta de distância e medo. Nada aquece, tudo perdura.

A natureza – especialmente as árvores – surge como testemunha do que não se cumpriu. Não como metáfora óbvia, mas como extensão do tempo. Há todo um lugar que vibra com uma vida que guarda os restos de algo nunca resolvido. A diretora recusa qualquer tentativa de explicitude, prefere deixar o espectador vagando, assim como as personagens, entre o que foi e o que poderia ter sido.

Em certos momentos, Canções das Árvores Esquecidas parece se perder em imagens: são toques que se evitam, olhares que desviam, paisagens que se repetem como se tentassem lembrar um caminho de volta. É nesse esvaziamento que Roy arrisca mais, pois ela escolhe não filmar o amor como desejo, mas como permanência. Um vínculo que não pede retorno, apenas reconhecimento, mesmo que seja o reconhecimento do nunca esquecido. É um filme que, em sua composição simples, apesar da estética elaborada, fala daquilo que não se cura.

Existe, obviamente, um estranhamento. Ele vem de décadas de indução narrativa ao que se conhece do romântico, isso é, todos esperam do amor algum tipo de resolução. Canções das Árvores Esquecidas entrega o oposto: o amor como condenação, como algo que sobrevive mesmo quando toda experiência se desfez. A distância entre os corpos é o que sustenta o laço e é raro ver um filme que entenda isso sem melodrama, sem forçar lágrimas. Aqui, a emoção é gélida e chega devagar, como um sentimento que não cabe no peito, mas também não encontra lugar para sair.

Ao final, vagando neste espaço do não-romance, permanece o vínculo que não pede nome. Não é paixão, nem saudade, nem esperança. É algo anterior à linguagem. Algo que, como certas árvores, permanece mesmo quando ninguém mais sabe que está ali.

Um grande momento
A declaração na falsa ligação

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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