- Gênero: Terror
- Direção: Guillermo del Toro
- Roteiro: Guillermo del Toro
- Elenco: Oscar Isaac, Jacob Elordi, Mia Goth, Christoph Waltz, Felix Kammerer, Lars Mikkelsen, David Bradley, Lauren Collins, Charles Dance, Christian Convery, Ralph Ineson
- Duração: 149 minutos
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Guillermo del Toro sempre foi um homem apaixonado. Sua filmografia respira o amor pelos monstros, o apego à fantasia, a crença de que o horror é uma linguagem que transcende o corpo. Em Frankenstein, ele volta ao mito fundador do horror moderno, o Prometeu de Mary Shelley, para fazer o que sabe melhor: humanizar o inumano. Mas o gesto, que poderia ser de enfrentamento e desconforto, se perde na tentativa de converter tragédia em melodrama. O que Shelley escreveu como denúncia do domínio da razão e da soberba da ciência, Del Toro reinterpreta como drama de reconciliação. Assim, o Prometeu moderno se torna, aqui, apenas mais um pai arrependido.
O romance de Shelley é um manifesto de desconfiança, um alerta contra a arrogância da ciência, contra o poder que se sobrepõe à ética, e contra o homem que acredita ser capaz de dominar a natureza. Victor Frankenstein é, antes de tudo, a encarnação do racionalismo que rompe seus próprios limites. Já sua criatura, rejeitada, solitária e carente de sentido, é o espelho dessa arrogância. Del Toro, no entanto, transforma o conflito metafísico em conciliação açucarada. A relação entre criador e criatura perde densidade filosófica e ganha tons de “pai e filho” de novela das nove, com direito a redenção final, discurso manipulador e luz dourada. Falta pouco para entrar Fábio Jr. cantando “pai, você foi meu herói, meu bandido…”.
Por outro lado, o filme tem uma estética impressionante, com fotografia, texturas, figurino e cenografia espetaculares. Del Toro filma como quem constrói uma catedral gótica, cada sombra e cada objeto carregam uma intenção e um sentimento. Mas toda essa beleza se volta contra o próprio filme quando o artifício se sobrepõe. A câmera, em vez de revelar o conflito, o embeleza. E o que era para ser cruel torna-se contemplativo. Falta carne, sobra verniz. A criatura é mais alegoria do que corpo, mais conceito do que vida. Frankenstein, o monstro, se transforma em um boneco polido demais para ser trágico.
O que Shelley propunha era a falência da Razão, o limite do saber e da moralidade humana. O que Del Toro entrega é a falência da emoção, o sentimentalismo como anestesia. Ao tentar atualizar o mito, o diretor esvazia sua potência crítica. O terror da criação sem responsabilidade cede lugar à busca por empatia. A ideia de redenção suprime o horror essencial da obra original: o de que a humanidade, quando tenta ser Deus, só consegue parir monstros.
Há, claro, lampejos de força, especialmente nos momentos em que a criatura tenta compreender o que é existir. Del Toro é talentoso demais para não acertar em várias passagens. Mas são respiros dentro de uma estrutura que prefere a facilidade ao desconforto. O terror filosófico de Shelley se dissolve em romantismo contemporâneo. O Prometeu que roubou o fogo dos deuses, agora está quentinho com ele. O que era revolta vira consolo e o que era transgressão, perdão.
Frankenstein, o filme, acaba sendo um reflexo de seu autor. Del Toro, que tantas vezes fez da monstruosidade sua casa, se rende cada vez mais sentimentalismo. O resultado é um espetáculo bonito, mas domesticado; intenso, mas inofensivo. O monstro sobrevive, mas seu sentido se perdeu.
Um grande momento
Ele surge na manhã seguinte


