Crítica | Festival

Palestina 36

O início de tudo

(Palestine 36, FRA, PAL, QAT, KSA, GBR, DEN, JOR, NOR, EUA, SUE, AUS, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Annemarie Jacir
  • Roteiro: Annemarie Jacir
  • Elenco: Hiam Abbass, Kamel El Basha, Yasmine Al Massri, Jalal Altawil, Saleh Bakri, Robert Aramayo, Yafa Bakri, Karim Daoud Anaya, Wardi Eilabouni, Ward Helou
  • Duração: 115 minutos

Antes do sangue e dos escombros de hoje, houve um roubo. Palestina 36 retorna ao ponto de origem, quando um povo inteiro começou a ser arrancado de sua terra, casa a casa, família por família, para transformar o passado em denúncia. O filme parte da lembrança de uma Palestina viva, não como saudade, mas como prova de que a usurpação foi concreta, planejada e violenta. Cada imagem carrega o peso daquilo que foi tomado: o território, a história e o direito de existir.

O filme é importante porque abre caminho para trazer uma outra narrativa e, numa época em que o genocídio é televisionado e tenta ser justificado, voltar ao início é fundamental. Palestina 36 constrói essa memória por meio de uma narrativa linear, quase novelesca e, em certa medida, é isso que garante sua acessibilidade. O didatismo aqui é ferramenta, pois a simplicidade permite que a história alcance quem precisa ouvi-la, mesmo que, em alguns momentos, falte densidade formal ou refinamento de linguagem.

Claro que a forma direta causa incomodo e há cenas que soam ensaiadas demais, gestos exagerados e um ritmo que se atrapalha. Embora se tente criar algo com a integração de imagens de um passado, o todo é quadrado e engessado demais. Por trás desse formato previsível, porém, existe uma urgência genuína, a de dar rosto e voz aos palestinos que viram sua terra ser convertida em fronteira e sua identidade ameaçada. É um registro, e é decente dentro de suas intenções.

Inclusivamente, o grande mérito de Palestina 36 é fazer do melodrama uma arma. Usar a emoção para falar de quando a História elimina as pessoas. Vendo por esse ângulo, há algo de profundamente político em seu excesso, na insistência em mostrar o sofrimento como continuidade que o olhar ocidental costuma recusar. O cinema aqui, mesmo quando escorrega para o sentimental, em seu papel de testemunha e herança, permanece firme na função de lembrar que houve uma outra Palestina antes da catástrofe.

Palestina 36 não é um grande filme, mas é um filme necessário. Ele falha em ambição estética, mas acerta na urgência política. E, quando a arte se propõe a dar nome ao extermínio, o essencial é existir. Em tempos em que se tenta apagar até o nome de um povo, narrar o começo desse apagamento já tem o seu valor.

Um grande momento
O padre e o soldado

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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