- Gênero: Drama
- Direção: Marianne Métivier
- Roteiro: Marianne Métivier
- Elenco: Camille Rutherford, Victor Andrés Trelles Turon-Trelles, Garance Marillier, Émile Schneider, Amaryllis Tremblay, Kyrie Allison Samodio, Sue Prado, Enchong Dee
- Duração: 106 minutos
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Há um momento – discreto, quase imperceptível – em que o filme parece perder o chão, e isso não é necessariamente mau, ruim é que seja apenas um momento. Em Em Outro Lugar à Noite, a promessa de vestígio e contemplação se perde na vontade de querer abraçar o mundo sem escolher qual dor carregar. A câmera acompanha Marie, artista do som em busca de inspiração, mas o que vemos não é tanto o eco da criação mas o desvario de quem já se cansou de viver de expectativas. A chegada de Noée, a jovem viajante, e da imigrante Eva, pelas noites da cidade, deveria reacender algo. Mas aquilo que emerge é uma dispersão que repete o óbvio, viver em trânsito torna-se sinônimo de não pertencer a lugar algum.
O roteiro constrói geografias paralelas, com o campo que arde sob o sol e a cidade que nunca descansa; e entre Ida e volta, entre o visível e o ausente, o filme valida a sensação de que “algo vai acontecer” sem, no entanto, confirmar – ou realizar – o quê. Trata-se da busca pela sensação? Ou da ilusão de que é possível habitar várias existências ao mesmo tempo? A diretora Marianne Métivier recusa a narrativa de causa e efeito tradicional, e isso é um mérito, mas paga o preço da derivação. A ausência de tensão dramática e de delineamento de conflitos fragiliza o peso emocional que o filme persegue.
Visualmente, o filme é bonito. A fotografia de Ariel Méthot explora a luz difusa, os corpos esmaecidos, o horizonte que nunca se define. As transições entre o verde esturricado da paisagem e o cinza translúcido da metrópole funcionam bem como metáfora para o desejo de fuga e o risco de se perder. Há planos que suspiram e enquadramentos que aguardam. Esses suspiros, porém, não completam a forma, ficam só na promessa; assim como restam espaços que deviam reverberar e se fecham em silêncio. A montagem de Myriam Magassouba insiste no fragmento, no ruído, no não-dito. Vale o risco, mas Em Outro Lugar à Noite acaba perdido na própria pretensão.
O tema da arte – da protagonista, das mulheres e dos migrantes – aparece como pano de fundo, mas o filme não decide se isso é centro ou coadjuvante. Marie cria com o som, Noée chega com mistério, Eva vive a noite em vigília entre dois mundos. Cada trajetória tem sua intensidade, mas não há uma conexão real. A diretora parece acreditar que o som pode substituir a narrativa, que o ruído preenche o vazio da história. Talvez até aconteça isso em alguma medida, mas falta corpo e linha. Falta definir se esse filme é sobre se encontrar ou sobre nunca ser plenamente. E esse “ou” solto transforma a expectativa em desafio. Um desafio que poderia ser estimulante, mas só soa incompleto.
Sobra uma certa vaidade na proposta e essa é uma das características que mais cansa em uma obra, assim como a ambição é uma das que mais dispersa. Mais do que quebra de expectativas, o filme se move para outra margem sem ter vínculos efetivado com o espectador, gerando uma frustração que pode levar ao desinteresse. Métivier tenta reinventar a paisagem interna, mas esquece que o filme precisa de algo além da textura.
Ainda assim, nem tudo falha. Em seus melhores momentos, Em Outro Lugar à Noite acerta ao registrar a solidão de quem caminha sem saber para onde. A noite é um território sem lei e a câmera, longe de julgar, apenas observa. Essa observação poderia ter sido o eixo de tudo, mas escolheu o impressionismo emocional no lugar da clareza com dor. O resultado é ambíguo, há beleza, mas vacila na grandeza.
Um grande momento
Nada tanto assim


