- Gênero: Documentário
- Direção: Laura Poitras, Mark Obenhaus
- Roteiro: Laura Poitras, Mark Obenhaus
- Duração: 117 minutos
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Há algo de profundamente perturbador em Cover-Up, documentário de Laura Poitras e Mark Obenhaus sobre Seymour Hersh. Os diretores entendem e reconhecem o poder da figura – esse repórter obsessivo que atravessou guerras, governos e escândalos para revelar o que os outros escondem –, mas não é exatamente sobre isso que estão falando. O incômodo vem da precisão da forma, que é fria e distante, para ir além do jornalista investigativo e chegar ao mundo de hoje, um lugar anestesiado, que perdeu a capacidade de reagir.
Desde o Massacre de My Lai até Abu Ghraib, Hersh é uma fagulha de consciência em um país que se acostumou ao horror, e em uma sociedade que, entre a propaganda e a alienação, se perdeu na apatia. Entrecortado por imagens de arquivo, o documentário sobre ele começa numa sala cheia de memórias de suas investigações, um cenário de testemunho permanente. Poitras e Obenhaus filmam ali com a contenção de quem sabe que a violência está fora do quadro e não precisa ser mostrada; assim como a organização de documentos, fitas, fotos e depoimentos revela o abismo entre informação e ação.
Dessa sala, partem para uma narrativa ilustrada sem pausas, ansiosa, e que deixa a certeza de que o que estava enterrado nunca foi digerido. Poitras levou mais de vinte anos para convencer Hersh a fazer o filme, e a pesquisa da cineasta se traduz numa mise-en-scène dos restos, com fragmentos de rádio, telegramas, recortes, modems antigos e um mundo digital ainda preso à tinta, aos papéis e ao sigilo. A montagem costura presente e passado, e a tela se abre em JPEG ou estática, arquivo ou testemunho, para falar do mecanismo de poder que está por trás de tudo, sempre mascarando e optando pelo silêncio.
O que Poitras e Obenhaus fazem em Cover-Up é buscar a identificação, transformar o longa em um documentário de espelhamento moral. Não se trata apenas de investigar o jornalista, mas de expor o silêncio coletivo que o cerca. Hersh, com suas pilhas de papéis e arquivos, aparece como uma figura solitária, quase anacrônica, que ainda acredita na relevância da verdade. Ao colocá-lo em cena e percorrer seus caminhos, há algo que vai além do indivíduo, e é a persistência de quem insiste em olhar para o que ninguém mais quer ver.
Há no filme uma dualidade entre os tons de espera e apatia. Cover-Up se demora no tempo do fazer investigativo, mas também revela a resposta apática, capturada aqui como parte de um diagnóstico: até que ponto a alienação e a dissimulação podem levar? Mesmo que haja a informação, não há consciência; mesmo que a verdade seja repetida, ela é ignorada, e é na desumanidade menosprezada que a falha social se confirma.
Para além de seu documentado, Cover-Up é sobre uma sociedade que aprendeu a conviver com o acobertamento e a chamar isso de normalidade. Poitras (agora ao lado de Obenhaus) volta, de novo, ao coração dos Estados Unidos e lá encontra o mesmo país paranoico, indiferente e pseudoautossuficientede de Citizenfour e Risk. Mas mostra também que ainda há espaços e figuras dissonantes, que seguem tentando mudar as coisas. Seymour Hersh resiste. E o longa, ao registrar essa resistência, nos lembra que o jornalismo, quando é de verdade, faz a diferença.
Um grande momento
Uma voz


