Críticas

Christy

Luta esvaziada

(Christy, EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: David Michôd
  • Roteiro: Katherine Fugate, Mirrah Foulkes, David Michôd
  • Elenco: Sydney Sweeney, Ben Foster, Merritt Wever, Katy O’Brian, Ethan Embry, Jess Gabor, Chad L. Coleman, Tony Cavalero, Bill Kelly, Miles Mussenden
  • Duração: 135 minutos

Mais do que uma biografia esportiva, Christy encontra sua força – e também suas limitações – na forma como retrata o corpo feminino como território de luta, exposição e controle. É nele estão as marcas da violência, mas também o gesto de resistência. Um filme sobre a vida de Christy Martin, mulher que desafiou o machismo e se tornou ícone do boxe, poderia ter sido um marco sobre força e sobrevivência. Mas o longa de David Michôd prefere os contornos seguros do gênero, sacrificando o impacto em nome da previsibilidade.

Sydney Sweeney, apesar de todo o ranço, é a alma do filme. Sua entrega física e emocional sustenta a narrativa, traduzindo nas pequenas tensões do corpo a trajetória de quem apanha, resiste e revida. O olhar endurece, o ombro se fecha e a respiração muda. Há verdade nesse físico que se transforma, uma verdade que o roteiro não consegue acompanhar. Sweeney dá vida a uma personagem que o filme insiste em reduzir a mais um caso de superação, quando o que existe é dor bruta, marcada pela violência doméstica e pelo controle masculino.

Michôd filma Christy dentro dos limites da biografia esportiva tradicional, indo da descoberta do talento à consagração e passando pela queda inevitável. É o mesmo arco de sempre, com a diferença de que aqui o ringue, espaço de poder e performance, se confunde com prisão. O marido e treinador, Jim Martin, é o opressor unidimensional previsível e a mãe, uma caricatura de fé e culpa. O roteiro não dá profundidade a ninguém que não seja Christy, e mesmo ela é sufocada pela necessidade de caber no molde. O filme evita o melodrama, mas, covarde, também evita o abismo e é lá que estaria a sua grandeza.

Quando acerta, Christy o faz por instinto. Em alguns momentos, a câmera entende que no corpo da boxeadora está a sua história, nos hematomas, nos músculos tensos, no suor, nas cicatrizes. São esses detalhes que falam da mulher que sobreviveu não só às lutas oficiais, mas às invisíveis; aquelas travadas em casa, no silêncio. É ali, no limite entre dor e resistência, que o filme respira por conta própria.

Tecnicamente, é um trabalho correto, de fotografia limpa e montagem convencional. Tem tudo no lugar e funcionando, mas não se arrisca em nada. O resultado é um filme tímido e oco. Ele reconhece a importância de Christy Martin, mas não a transforma em experiência cinematográfica. No fim, falta um golpe que realmente abale as estruturas, aquele que exporia não só corpo mas a mulher que lutou tantos anos antes que sua tragédia acontecesse. A história de Martin é só dela, mas a violência que ela sofreu, não.

Um grande momento
No instante após a vitória, olhando para o algoz

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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