Entrevista

Equipe de Nuremberg discute ética da justiça

O diretor e roteirista James Vanderbilt e os atores Rami Malek e Michael Shannon falaram sobre o processo intenso de criação de Nuremberg durante coletiva virtual. O filme revisita o julgamento que redefiniu a noção moderna de justiça e marca o reencontro de Vanderbilt com o drama histórico, desta vez voltado para um dos episódios mais complexos do século XX.

Vanderbilt explicou que tudo começou com uma leitura inesperada. Ele contou que encontrou a proposta do livro “O Nazista e o Psiquiatra”, de Jack El-Hai, e precisou de poucas páginas para perceber que havia um filme ali. “Foram cinco páginas, mas foi o sim mais rápido da minha vida”, disse. A surpresa maior foi descobrir que psiquiatras haviam sido chamados para avaliar os líderes nazistas sobreviventes antes do julgamento. “Essa história me capturou imediatamente.”

A pesquisa acabou desviando o foco inicial do projeto. O roteiro começaria centrado na relação entre o psiquiatra Douglas Kelley, vivido por Rami Malek, e Hermann Göring, interpretado por Russell Crowe. Mas o interesse pelo juiz americano Robert Jackson, papel de Michael Shannon, mudou o rumo. “Descobri que Jackson foi quem disse que não podíamos simplesmente executá-los”, explicou Vanderbilt, destacando que o magistrado enxergava o tribunal como marco civilizatório. “O filme deixou de ser sobre um encontro e passou a ser sobre o nascimento da justiça internacional.”

Rami Malek contou que o roteiro chegou praticamente pronto. “Não quis mudar uma vírgula”, afirmou, lembrando que encontrou no texto algo raro, “uma combinação de precisão histórica com humanidade”. Para ele, Kelley é um personagem cheio de contradições. O ator descreveu o psiquiatra como alguém “brilhante, charmoso e perigoso”, que se perde ao tentar compreender o mal que estuda. Interpretá-lo exigiu “contenção e empatia”, nas palavras do próprio Malek.

Shannon falou sobre a responsabilidade de interpretar Jackson. Ele admitiu que não conhecia a história do juiz antes do filme. “O que ele fez é gigantesco”, disse. As palavras do discurso de abertura, que ele recita no longa, foram especialmente marcantes. “No cinema, sentimos essas palavras de um modo diferente. Elas atravessam a razão e chegam à emoção.”

Boa parte da intensidade do filme veio da forma de filmar. Vanderbilt relembrou que o tribunal foi construído em escala real, com cerca de 300 figurantes. A longa sequência entre Shannon e Crowe, de 22 páginas, foi rodada em um único dia. “Era um duelo verbal. Quando finalizamos o primeiro take e os figurantes aplaudiram, percebi que tínhamos vivido algo especial.”

Malek disse que sentiu o peso físico e emocional das cenas com Crowe. Ele contou que a cela onde filmaram era extremamente apertada e quente. “Era impossível não encarar o outro nos olhos. Russell tem um magnetismo que puxa você para a verdade da cena.” Em certos momentos, a entrega era tão intensa que Malek precisava se afastar para respirar. “Às vezes a raiva crescia e, em vez de gritar, baixava o tom. O silêncio se tornava mais ameaçador que qualquer explosão.”

Shannon acrescentou que a discussão central do filme permanece urgente. “Jackson acreditava que a justiça é o único antídoto contra o caos. É triste perceber como essa conversa ainda é necessária.” Ele destacou que a força do personagem está justamente na combinação de humanidade e rigor.

Para Vanderbilt, Nuremberg funciona tanto como revisita histórica quanto como diálogo com o presente. Ele observou que a pergunta que move o filme — como reagimos diante da injustiça — continua atual. “O cinema pode voltar ao passado, mas o propósito é sempre o mesmo, nos obrigar a olhar para nós mesmos.” O diretor revelou ainda uma homenagem ao clássico Julgamento em Nuremberg, de Stanley Kramer. Há, no longa, uma tomada circular que ecoa diretamente o movimento de câmera de Kramer. “Foi o nosso aceno para essa herança.”

Rami Malek encerrou a coletiva refletindo sobre o impacto pessoal do projeto. “Nuremberg é um dos trabalhos mais desafiadores e gratificantes que já fiz. É sobre moral, silêncio e responsabilidade. E sobre como a humanidade tenta, apesar de tudo, se entender.”

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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