- Gênero: Suspense
- Direção: Rian Johnson
- Roteiro: Rian Johnson
- Elenco: Daniel Craig, Josh O’Connor, Glenn Close, Josh Brolin, Mila Kunis, Jeremy Renner, Kerry Washington, Andrew Scott, Cailee Spaeny, Daryl McCormack, Thomas Haden Church, Jeffrey Wright, Annie Hamilton, Joseph Gordon-Levitt, Bridget Everett, James Faulkner, Noah Segan
- Duração: 144 minutos
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Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out quer, antes de tudo, brincar. Rian Johnson sabe que o prazer vem do jogo de desvendar enigmas – algo que vem lá de Agatha Christie e ganhou vida no exagero calculado das criações do diretor – e em acompanhar personagens que parecem sempre um pouco maiores do que deveriam ser, e nesse humor que flerta com o absurdo de situações, nem sempre distantes da realidade. Mais uma vez, a investigação avança com leveza, piadas bem colocadas e aquela sensação gostosa de estar sempre um passo atrás.
Quem apresenta a história dessa vez é o padre Jud Duplenticy, vivido por Josh O’Connor. Enviado a uma paróquia problemática, ele tenta entender o que há de errado com os fiéis e, principalmente, com o padre do local, um autodenominado novo messias interpretado por Josh Brolin. A investigação do padre forasteiro antecede o crime e desloca o olhar do filme. Não se trata apenas de descobrir quem matou, mas de perceber que algo já estava profundamente fora do lugar. Duplenticy percebe, e expõe, a distorção antes mesmo que ela se materialize em violência.
Vivo ou Morto se desenvolve rápido e, apesar disso, é acompanhado sem esforço. O mistério, os personagens, os diálogos e as situações estão ali para divertir e esse humor facilita o andamento. Não é difícil o espectador se envolver e aceitar as regras daquele universo, muito menos entrar no jogo sem resistência. Porém, a diversão está longe de ser inocente.
Por baixo da superfície leve, o filme fala de isolamento. A comunidade da paróquia do Monsenhor Wicks, em seu caráter excludente e alienante, fala da comunhão de pessoas fechadas em si. Todos os fiéis da paróquia, escolhidos por seu líder e extremamente próximos a ele, precisam acreditar em algo ou em alguém para não encarar o próprio vazio. A fé surge como necessidade emocional e não como espiritualidade, dando espaço à manipulação, sem que haja necessidade de uso de força ou qualquer outro método físico mais radical. O conforto e o senso de pertencimento são potentes demais.
Em um mundo dominado pela criação de novas pequenas seitas não-religiosas que direcionam os interesses à uma extrema-direita e a movimentos neofascistas, Johnson usa o gênero justamente para falar desse mecanismo. A verdade em Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out não é algo sólido, se molda, se adapta e se repete até virar consenso. Não importa se faz sentido, o importante é que funcione, que organize o caos, dê pertencimento e alivie a fragilidade de quem prefere não pensar muito.
O diálogo com a atualidade é direto, mesmo sem discurso explícito. A lógica é a mesma que sustenta aquilo que se observa hoje no mundo: líderes performáticos, narrativas simplificadas, inimigos difusos e uma relação cada vez mais frouxa com os fatos. Entre suas piadas e momentos bizarros, Vivo ou Morto demonstra que o perigo não está só em quem inventa a mentira, mas em quem escolhe acreditar nela para não se sentir sozinho.
Quando Benoit Blanc entra em cena, ele não vem como salvador solitário – até porque isso não existe –, mas como alguém que dá forma ao que já estava em andamento. Sua investigação não desmonta apenas o crime, mas a facilidade com que aquela farsa se manteve de pé por tanto tempo. O incômodo já existia e ele apenas insiste em olhar para onde todos preferiram desviar.
Vivo ou Morto funciona justamente por isso. Porque prende, diverte, faz rir e, no meio desse prazer todo, provoca um desconforto difícil de ignorar. A sensação de que, fora da tela, também estamos cercados de verdades frágeis demais e de histórias que nem precisam ser tão bem contadas assim. Há muita gente disposta a acreditar em qualquer coisa, desde que essa coisa faça com que ela se sinta importante e parte de algo supostamente importante.
Um grande momento
Conhecendo Martha


