Crítica | Streaming e VoD

Roubo pelos Ares

Fast food indiano

( Chor Nikal Ke Bhaga, IND, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura, Policial
  • Direção: Ajay Singh
  • Roteiro: Shiraz Ahmed, Raj Kumar Gupta, Amar Kaushik, Trishant Srivastava
  • Elenco: Yami Gautan, Sunny Kaushal, Sharad Kelkar, Indraneil Sengupta, Farooq Azam, Priyanka Karunakaran
  • Duração: 100 minutos

Se você for assistir ao mais novo sucesso da Netflix, Roubo pelos Ares, interessado no que foi feito em RRR, melhor reconsiderar. Ambos são indianos, mas têm desenvolvimento e disposições diferentes. Na verdade, a estreia é uma ótima oportunidade de descobrir que a Índia não tem um cinema único, ao contrário do que muitas vezes a falta de pesquisa mais aprofundada nos faça acreditar. Esse thriller em questão não fica nada a dever a ‘clássicos’ estadunidenses, como Sem Escalas ou Plano de Voo, e isso também deve justificar sua repercussão junto ao streaming. Se a proposta for encarar uma diversão ininterrupta com um tempero asiático a modificar alguns conceitos ocidentais acerca de muitas práticas, a pedida está feita. 

Esse é o terceiro filme de Ajay Singh, que tem uma certa leveza na condução que o coloca à parte da configuração habitual do gênero sem reconfigurar para a comédia a ação que acompanhamos. Ainda assim, seu diretor consegue conduzir seus intentos na direção de um lugar onde ninguém deixe de se reconhecer; nem seu espectador local e nem a ideia global que a própria Netflix carrega. Esse equilíbrio é sentido igualmente na forma com que cada crime é cometido em cena, que à exceção de uma rajada de balas, tem conceito e conclusão menos próximos de uma violência típica do filme de ação típico, de padronagem reconhecida. Ao mesmo tempo em que consegue conquistar o público geral, temos a noção de que o apresentado tem origem distinta. 

A forma como o casal protagonista é apresentado e eventualmente evolui na sua relação, já mostra que estamos diante de um filme longe do Ocidente. Roubo pelos Ares mantém seus personagens em distâncias consideráveis, respeitando o que o cinema local prega – homem e mulher não se beijam, mesmo os que interpretam casais. É um tempo de delicadeza, que não deixa qualquer espaço para sequer ameaçar a vulgaridade aparecer; o casal é visto inclusive após o sexo na cama, mas tudo é feito com o máximo de discrição. Esse é um lugar que tem interessado cada vez mais o espectador que se sente invadindo a intimidade de personagens e aderiu à novelas turcas, que tem proposta parecida no que concerne a filmar uma relação amorosa. 

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Roubo pelos Ares, como convém a uma produção cujo único interesse é entreter o público interessado, conta com alguns twists de roteiro, todos absolutamente capazes de serem descobertos por qualquer muito antes de acontecer. Não tem qualquer importância, ainda assim a experiência de ser parte integrante da experiência que o filme quer proporcionar, de ‘filme conforto’, é bastante recompensadora. Não há muita coisa fora do lugar que não seja encarada da maneira correta: é uma galhofa, um produto que não se leva a sério. Logo, se a narrativa emperrou em algum momento, ou se algo parece não ter surtido efeito, prepare-se que o filme vai resolver isso da maneira mais cretina possível, e a diversão voltará ao seu lugar de origem. 

Escrito a oito mãos, o roteiro de Roubo pelos Ares é um convite à forma mais pura de acessar um produto cinematográfico, é a ideia mais direta possível, repleta de toques de melodrama no fundo. É como se estivéssemos vendo no mesmo caldeirão serem jogados ingredientes dos EUA, da Índia e das telenovelas latinoamericanas, em comunicação direta e rara de acompanhar com igual sabor. Nada é muito intocável na produção, se estamos diante de algo que pode parecer improvável, o filme nem vai dar atenção à verossimilhança. É um produto para consumo rápido, como a Netflix oferta com regularidade, a diferença é esse ‘curry’ especial que nos transporta para outros registros, ainda que de maneira leve. 

A partir da metade, o que vemos é uma grande provocação, como se o filme testasse nossa resistência aos detalhes absurdos. Não importa, ali a gente já transformou Roubo pelos Ares no que ele pretendia ser desde sempre, uma salada de temperos diversos, meio cheeseburguer, meio ‘quesadilla’, polvilhados de masala. A regra é uma só: diversão acima de tudo, e nisso o filme não precisa pedir licença ao alcançar.

Um grande momento

O celular debaixo da roda do carro

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Isa
Isa
03/04/2023 14:57

Eu adorei, por sinal descobri produções fora dos eixo EUA e estou amando, o filme entrega extamente o que propõe, diversão e um toque mistério, e o final é de lavar a alma! Parabéns!!

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