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A Bela e os Cães

Perceber a mágica

(Aala Kaf Ifrit, TUN, FRA, SWE, NOR, LIB, QAT, SUI, 2017)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Kaouther Ben Hania
  • Roteiro: Kaouther Ben Hania, Meriem Ben Mohamed, Ava Djamshidi
  • Elenco: Mariam Al Ferjani, Ghanem Zrelli, Noomen Hamda, Mohamed Akkari, Chedly Arfaoui, Anissa Daoud, Mourad Gharsalli
  • Duração: 100 minutos

Kaouther Ben Hania tornou-se mundialmente conhecida esse ano, quando seu O Homem que Vendeu sua Pele foi indicado ao Oscar de melhor filme internacional e conseguiu uma projeção que sua diretora ainda não tinha tido até então. Seu filme anterior, esse A Bela e os Cães, acaba de estrear na plataforma Reserva Imovision depois de uma bela passagem no festival de Cannes de 2017 e trás um olhar na direção da sociedade tunisiana repleto de denúncias aos maus tratos sociais principalmente na relação com o feminino, que ainda sofre com a diminuição de suas vozes e direitos, e em países cuja misoginia ainda é uma questão a ser ultrapassada isso é ainda mais grave.

O filme é a estreia no cinema de ficção da diretora, que tem um olhar de tentativa documental, seja pela emolduração de suas imagens, seja com o recorte de sua ideia narrativa, ou com o jogo cênico estabelecido, que privilegia uma textura que persegue o realismo extremo. Como se trata de uma situação baseada em eventos que renderam um livro biográfico, seu desdobramento em torno de uma única madrugada, a ficcionalização desses fatos é pretendida com busca fiel pela credibilidade de cada envolvido, e acaba se tornando para o filme seus predicados e também seus entraves, às vezes quase até na mesma cena indo de um pólo a outro.  

A Bela e os Cães

Dividido em nove capítulos, cada um deles realizado em tomada única e com graus crescentes de dificuldades de realização, A Bela e os Cães acompanha a jovem protagonista em constante fuga em busca de justiça para o abuso sexual que sofreu perpetrado possivelmente por policiais, um verdadeiro périplo pelas ruas da cidade. Cada nova sequência é a abertura não apenas para um perigo muito próximo, como para a manutenção habitual do machismo e da naturalidade com que a violência contra a mulher é absorvida pela sociedade, no que se incluem ainda personagens femininos abarcando o machismo e contribuindo para o status quo predominante. 

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Na teoria, o longa tem todos os adjetivos possíveis para a apreciação da crítica especializada em cinema autoral, mas Kaouther desequilibra seu projeto com dados artificiais, e mesmo admirando o cinema de artifício, não era essa a chave pretendida aqui. De pretensões artesanais e naturalistas, a estreia da diretora pretende filmar cada segmento com o máximo em sofisticação no tratamento abarcado entre a protagonista e seu entorno. Na prática, no entanto, o longa escorrega em uma plasticidade que não cabe em cena, afetação exacerbada e marcações cênicas que denunciam a teatralização; se esses dados fossem assimilados a todo momento, entenderíamos como intencional. Que isso vaze aqui e ali somente, a recepção é comprometida. 

A Bela e os Cães

Projeto de porte expressivo em sua tentativa de comunicação com o cinema respeitado pela intelligentsia mundial, debatido em rodas de festivais europeus e almejando um pedigree adquirido por produções do mesmo porte, A Bela e os Cães é um produto pomposo que chama nossa atenção naturalmente, e um viés que o remete a tradição do cinema iraniano imprime verossimilhança ao material. Porém sua jornada cansativa pela estrutura, que acaba por também denunciar artificialidade a partir da chegada no primeiro hospital, termina por equilibrar as intenções do projeto, sem eximir os méritos dos deméritos.

Tanto acaba saltando aos olhos do filme suas qualidades inegáveis, a condução de sua câmera sempre nervosa em busca de capturar a tensão crescente ao redor dos eventos que filma, como também se realça o jogo maniqueísta e muito bem ensaiado de cada passagem, que acaba por drenar seus méritos cinematográficos e deixar a produção no ritmo da denúncia que seu tema compete em atribuir. Ainda que os dois lados pareçam honestos dentro da análise, perceber mais a presença do ventríloquo em detrimento ao boneco é um desequilibro que A Bela e os Cães tenta corrigir a todo tempo. 

Um grande momento
Capítulo 6

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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