Crítica | Streaming e VoD

A Bolha

Os dinossauros têm razão

(The Bubble, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Judd Apatow
  • Roteiro: Judd Apatow, Pam Brady
  • Elenco: Karen Gillan, David Duchovny, Leslie Mann, Pedro Pascal, Fred Armisen, Iris Apatow, Keegan-Michael Key, Kate Mackinnon, Maria Bakalova, Guz Khan, Harry Trevaldwyn, Samson Kayo, Vir Das, Rob Delaney, Danielle Vitalis, Nick Kocher, Chris Witaske, John Lithgow, John Cena, James McAvoy, Beck
  • Duração: 126 minutos

O diretor Judd Apatow até hoje pertenceu à comédia. Às vezes ele pende para uma espécie de melodrama em teoria, e isso muitas agrega charme a produção, acima de seus elementos particulares. O que ainda não tínhamos visto era o cineasta de Ligeiramente Grávidos se perder na comédia rasgada, na paródia desavergonhada. A estreia de A Bolha na Netflix corrige essa falta em sua filmografia, ao mesmo tempo em que exibe sua falta de propósito com material tão específico. Sem ter nada a provar e com uma carreira vitoriosa em todos os sentidos, Apatow comete aqui o grande escorregão de sua filmografia, praticamente sem perdão e absolutamente descaracterizada do resto de seus créditos.

Os dois filmes anteriores do diretor, tanto Descompensada quanto A Arte de ser Adulto, foram produções menores de sucesso incontestável, que renderam elogios para ele e para seu elenco, incluindo indicações a prêmios. Ele vai de um pólo a outro no novo filme, claramente um filme mais ambicioso esteticamente, que enche a tela com efeitos especiais até chamativos, e também seu making of – afinal, trata-se de “um filme dentro de um filme”. Pois a franquia de ação estapafúrdia Feras do Abismo pode até parecer uma produção que, de tão cretina, seja hilária, porém A Bolha, o filme que estamos de verdade assistindo, carece do principal de uma comédia: fazer rir. No lugar da graça, resta a irritação profunda.

A Bolha
Laura Radford/Netflix

O que adiantam os valores de produção até evidentes se a graça raramente acontece, e quando realmente provoca um mínimo sintoma de envolvimento, o filme parece querer se livrar tão rapidamente desse momento? Não é culpa de nada em particular, mas do todo no geral, até por não aparentar qualquer interesse de ninguém em produzir reações exaltadas do público. Uns espasmos esporádicos, como quando Keegan-Michael Key sai de cena virando cambalhota, não são suficientes para compreender humor. Uma produção antiga, um aproveitamento de esquetes do Saturday Night Live, sem qualquer resquício da sagacidade e da inteligência apresentadas no programa, apenas o modelo de apresentação aqui substituídos por uma ausência tão absurda de humor, que nos resta rir de nós mesmos, por estarmos nos colocando em situação de flagelo.

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No lugar do que deveria aparecer, um constrangimento ininterrupto que segue as tentativas vãs de provocar um mínimo sorriso, e em outras tentativas de construir uma narrativa que não seja profundamente clichê, mesmo dentro do caos sem fim. Daqueles casos onde não conseguimos encarar a tela por muito tempo, pela extrema dificuldade em apresentar qualquer coisa que não seja um profundo embaraço. De duração extensa, A Bolha prova que o bom humor não precisa de ostentação, mas sim de um bom texto, um timing imbatível e um coletivo interessado em sair da zona de conforto. Nada disso parece existir aqui, ainda que Apatow e seu elenco já tenham provado suas capacidades em ocasiões anteriores – aqui, a impressão é um misto de estranhamento, entre o horror e a inércia.

A Bolha
Laura Radford/Netflix

Ainda que na reta final as coisas se tornem tão infames que o autor consiga nossa atenção, A Bolha, mesmo nessas passagens derradeiras, nunca se transforma em algo minimamente decente. Um arremedo de filme que pretendia ser muito referencial e engraçado em 1988 mas que se transformou em uma produção equivocada, com piadas grosseiras como as da última cerimônia do Oscar que provocam mais aborrecimento do que graça, não é muito compreensível que sequer exista. Temos a impressão de que Apatow pensou nesse filme obviamente durante a pandemia, mas provavelmente durante uma dor de barriga tremenda, sem perceber a diferença entre o que estava indo pro papel e o que descia pelo vaso sanitário depois da descarga.

Ao elenco, resta também para muitos a sensação de castigo pelo mal que provocaram a alguém em particular, e o castigo ser pago coletivamente. David Duchovny provavelmente foi uma pedra no sapato de Gillian Anderson por anos, Pedro Pascal é castigado pelo seu bigode, e Maria Bakalova (indicada ao Oscar por Borat Fita de Cinema Seguinte)… ok, não é possível que todos aqui merecem essa provação. Mas fica a surpresa de ver astros do porte de John Lithgow e James McAvoy perdidos em participar de algo tão despropositado. Nem mesmo Apatow deveria ter se colocado nesse lugar tão absurdo, mas já que o fez, nos resta ignorar o crime cometido ou torcer pelo Framboesa de Ouro ano que vem? Escolham seu lado.

Um grande momento
Castigo para a esposa do diretor / As duas mortes de Dieter

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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