Suspense
Direção: David Pastor, Àlex Pastor
Elenco: Javier Gutiérrez, Mario Casas, Bruna Cusí, Ruth Díaz, David Ramírez, David Selvas, David Verdaguer, Vicky Luengo
Roteiro: David Pastor, Àlex Pastor
Duração: 103 min.
Nota: 5
Faz pouco mais de dois meses que fui surpreendido com uma reprise de A Mão que Balança o Berço numa madrugada da TV a cabo. Hoje parcialmente esquecido, o filme foi um grande hit de 30 anos atrás que trazia elementos caros para o suspense ligados ao nascimento de uma personalidade desarranjada socialmente, filhote direto de Atração Fatal e que encheria os anos 1990 de referências mais ou menos bem sucedidas, mas na maioria todas dotadas de grande iconografia com o passar dos anos. Se hoje nomes como o da vilã Peyton e de sua intérprete Rebecca De Mornay não dizem nada à geração millennial, A Casa agradece.
Com esse terceiro longa metragem, os irmãos Alex e David Pastor continuam entregando histórias que se alicerçam na tensão para desenhar sua narrativa e o desenvolvimento de seus personagens, que nos filmes anteriores se desenvolviam em grupos e aqui pretende traçar uma nova forma de alegoria social. O filme invade a crise econômica da última década para refletir também as crises morais que vem a reboque do conceito macro; “dream bigger“, diz as palavras na parede. Sonhe maior. No meio delas, um homem sob a égide do fracasso.
A Casa parte de um único com foco particularizado, seu protagonista Javier, para na primeira parte investigar a perda gradual de parâmetros sociais. O filme encontra esse homem em franca decadência, como profissional, como marido e como pai, seus arredores estão literalmente prestes a mudar, no que desencadeia então um novelo de situações que nem mesmo ele sabe onde vai chegar. Há um propósito, mas não uma forma de chegar a ele; sem necessariamente tatear no escuro, a direção elegante firma uma parceria informal com esse Javier, passeando a todo momento entre o trágico e o patético.
Os irmãos Pastor utilizam um centro nervoso central e atual – a crise econômica – para estilhaçar as certezas estabelecidas pela classe média em determinado ponto de curva pessoal. A idade e o tempo são inexoráveis, impossíveis de frear, e o filme acentua esse detalhe seja em texto dito ou metaforicamente, ao provocar a imagem presente desfocando-a. A trilha mecanizada e repetitiva mimetiza uma realização calcada na paciência que o tempo de espera proporciona à edição. Composta pelo premiado Lucas Vidal, essa trilha serve à perfeição ao lugar de terror minimalista e possível das relações humanas.
Infelizmente a partir da metade, A Casa começa a banalizar a eficiência dos seus planos para uma explicitação de intenções que corrompem a credibilidade do roteiro, que começa a funcionar através de conveniências e propósitos do entretenimento vazio, se afastando das suas pretensões psicológicas mais elaboradas. É nesse momento que percebemos o filme se aproximar ao mais básico do cinema de gênero americano de consumo ligeiro, e realizando uma reedição ainda mais chocante do sucesso de Curtis Hanson citado no começo do texto. Substitua a babá por um publicitário e tá pronto; a ânsia por reaver a qualquer custo suas perdas e a forma como personagens e situações pontuam a ascensão da psicopatia no roteiro unem ainda mais os filmes.
Há de se colocar na conta de Javier Gutierrez a sobrevivência do interesse do espectador e a integridade da obra. Seu protagonista homônimo cai como uma luva em seu rosto e imenso talento, que ele escala um neurótico praticamente apenas com o olhar. Dos mais econômicos atores da atualidade, mais uma vez Gutierrez arrebata um projeto com suas milimétricas composições. Se A Casa ao fim e ao cabo acaba por impressionar, não é graças às já elogiadas trilha e edição, ou a direção de arte, ou mesmo qualquer aspecto técnico. É a sua interiorização que dá o sabor especial a um filme que só não sai mais dos trilhos por causa dele.
Um Grande Momento:
De luva cirúrgica.
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