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A Fera

Beleza para público ilimitado

(Beast, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Aventura
  • Direção: Baltasar Kormákur
  • Roteiro: Ryan Engle, Jaime Primak Sullivan
  • Elenco: Idris Elba, Sharlto Copley, Iyana Halley, Leah Jeffries
  • Duração: 93 minutos

A primeira imagem que surge na tela em A Fera é um rosto negro. Esse rosto se seguirá a outros muitos, quatro deles em destaque principal. Parece bobagem, mas ter apenas um ator branco (e, ainda assim, sul-africano) em cena, quando crescemos vendo o contrário acontecer, e até filmes como 12 Anos de Escravidão tem elenco branco bem numeroso, é digno de comemoração. Mas não somente a representatividade importa, como também o fato de que essa demonstração está a cargo de um filme bom e digno, não apenas um cabide para que essa situação aconteça, não; tudo ali faz sentido, até nas entrelinhas. Enriquece um título que tem a satisfação de apresentar um material acima da média dentro do muitas vezes combalido cenário do cinema comercial estadunidense, aquele que não é refém de nada – leia-se HQ, continuação, releitura, ou qualquer obra não-original. 

Outro motivo de comemoração é o fato de Baltasar Kormákur entregar um filme decente. Confesso que o susto com Evereste foi tamanho, que eu jurava que tinha assistido uma revelação negativa, daquelas que jamais voltará a apresentar salvação a seu responsável. A Fera, no entanto, recupera o islandês que já tinha entregue outros trabalhos de igual valor no cinema estadunidense (Dose Dupla), que aqui, diferente do desastre que foi exatamente a parte técnica do filme sobre a montanha nevada, apresenta um brilho incomum. O diretor exportado realiza um trabalho cheio de nuances de cor, luz e som, tornando seu filme um pouco superior ao padrão geral lançado dentro dessa seara do filme médio com pretensões maiores do que suas capacidades (hoje em dia) alcançam. 

A Fera
Universal Studios

Têm me impressionado como Hollywood vem abraçando a beleza em suas produções menos afeitas a um caráter estético. Não estou dizendo necessariamente de “filmes bem dirigidos”, a priori, essa questão não está posta; o detalhe vem sobre o cuidado em criar imagens que tenham potência e também sejam concebidas com um refinamento de acabamento. Aqui, e em filmes dessa estatura, que não estarão encabeçando as listas dos mais vistos do ano porque tem pretensões mais modestas, essa preocupação está na gênese do projeto. Quando existe o convite para um fotógrafo do porte de Philippe Rousselot (Oscar por Nada é para Sempre + Ligações Perigosas, Entrevista com o Vampiro, A Rainha Margot, e por aí vai..), é porque não está sendo preparado qualquer imagem, e isso vai além do resultado. Está na ideia de contratar esse homem, e lógico que se refletirá no trabalho apresentado então. 

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Mas a despeito do trabalho impecável que Rousselot comumente apresenta – e aqui não é diferente – o que está à disposição aqui são outros fatores que simplesmente o material fotográfico. A troca que existe entre o que ele faz, o que também é elaborado pela direção de arte (de Jean-Vincent Puzos, de Z: A Cidade Perdida, Amor, A Infância de um Líder, Jungle Cruise…) e o que Kormákur apresenta na organização desses elementos. Os planos-sequência de A Fera – sim, existem… é uma coqueluche – tem uma conotação muito mais imersiva que exatamente alucinatória, como costuma ocorrer. O filme acaba por nos apresentar ambientes, costumes, investiga cenários e espaços geográficos, e isso deixa o espectador ainda mais soterrado nos sentimentos destinados àquela experiência. 

A Fera
Universal Studios

Existe um dado alegórico na narrativa do filme que é muito significativo. O protagonista vivido por Idris Elba é um viúvo que constantemente sonha com a esposa, em ambientes com muita clareza em sua construção da negritude feminina. São mulheres em uma gruta, preparando seus cabelos trançados, enquanto a figura-chave passeia entre elas. A Fera especificamente é um filme também sobre o empoderamento dessas duas jovens mulheres filhas do protagonista, que conseguem realizar atividades que o pai muitas vezes derrapa em conseguir. Com essas imagens oníricas que remetem a essa ancestralidade e essas novas mulheres protagonizando as ações muitas vezes, o filme ainda apresenta um olhar a respeito de liberdade e assertividade no futuro absolutamente necessário. 

O filme ainda presta uma singela homenagem ao Jurassic Park original, dentro e fora da narrativa, que mostra o lugar onde Kormákur mirou; a ideia não era alcançar exatamente, mas mostrar de onde parte sua inspiração. Com seu personagem-título digital repleto de qualidades em sua feitura, o filme ainda consegue o básico que uma produção dessa pede: assusta, impressiona, e não tem medo de mostrar uma certa crueza de maneira pontual. É um divertimento acima de qualquer suspeita, mas isso estava dentro do programado; seu diferencial está em não descuidar da imagem para conseguir o efeito desejado, e o diretor já esbarrou nesse lugar. Em A Fera, tudo termina bem, com direito a um clímax de impacto inegável. 

Um grande momento
O desabafo de Nate

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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