- Gênero: Aventura
- Direção: Baltasar Kormákur
- Roteiro: Ryan Engle, Jaime Primak Sullivan
- Elenco: Idris Elba, Sharlto Copley, Iyana Halley, Leah Jeffries
- Duração: 93 minutos
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A primeira imagem que surge na tela em A Fera é um rosto negro. Esse rosto se seguirá a outros muitos, quatro deles em destaque principal. Parece bobagem, mas ter apenas um ator branco (e, ainda assim, sul-africano) em cena, quando crescemos vendo o contrário acontecer, e até filmes como 12 Anos de Escravidão tem elenco branco bem numeroso, é digno de comemoração. Mas não somente a representatividade importa, como também o fato de que essa demonstração está a cargo de um filme bom e digno, não apenas um cabide para que essa situação aconteça, não; tudo ali faz sentido, até nas entrelinhas. Enriquece um título que tem a satisfação de apresentar um material acima da média dentro do muitas vezes combalido cenário do cinema comercial estadunidense, aquele que não é refém de nada – leia-se HQ, continuação, releitura, ou qualquer obra não-original.
Outro motivo de comemoração é o fato de Baltasar Kormákur entregar um filme decente. Confesso que o susto com Evereste foi tamanho, que eu jurava que tinha assistido uma revelação negativa, daquelas que jamais voltará a apresentar salvação a seu responsável. A Fera, no entanto, recupera o islandês que já tinha entregue outros trabalhos de igual valor no cinema estadunidense (Dose Dupla), que aqui, diferente do desastre que foi exatamente a parte técnica do filme sobre a montanha nevada, apresenta um brilho incomum. O diretor exportado realiza um trabalho cheio de nuances de cor, luz e som, tornando seu filme um pouco superior ao padrão geral lançado dentro dessa seara do filme médio com pretensões maiores do que suas capacidades (hoje em dia) alcançam.
Têm me impressionado como Hollywood vem abraçando a beleza em suas produções menos afeitas a um caráter estético. Não estou dizendo necessariamente de “filmes bem dirigidos”, a priori, essa questão não está posta; o detalhe vem sobre o cuidado em criar imagens que tenham potência e também sejam concebidas com um refinamento de acabamento. Aqui, e em filmes dessa estatura, que não estarão encabeçando as listas dos mais vistos do ano porque tem pretensões mais modestas, essa preocupação está na gênese do projeto. Quando existe o convite para um fotógrafo do porte de Philippe Rousselot (Oscar por Nada é para Sempre + Ligações Perigosas, Entrevista com o Vampiro, A Rainha Margot, e por aí vai..), é porque não está sendo preparado qualquer imagem, e isso vai além do resultado. Está na ideia de contratar esse homem, e lógico que se refletirá no trabalho apresentado então.
Mas a despeito do trabalho impecável que Rousselot comumente apresenta – e aqui não é diferente – o que está à disposição aqui são outros fatores que simplesmente o material fotográfico. A troca que existe entre o que ele faz, o que também é elaborado pela direção de arte (de Jean-Vincent Puzos, de Z: A Cidade Perdida, Amor, A Infância de um Líder, Jungle Cruise…) e o que Kormákur apresenta na organização desses elementos. Os planos-sequência de A Fera – sim, existem… é uma coqueluche – tem uma conotação muito mais imersiva que exatamente alucinatória, como costuma ocorrer. O filme acaba por nos apresentar ambientes, costumes, investiga cenários e espaços geográficos, e isso deixa o espectador ainda mais soterrado nos sentimentos destinados àquela experiência.
Existe um dado alegórico na narrativa do filme que é muito significativo. O protagonista vivido por Idris Elba é um viúvo que constantemente sonha com a esposa, em ambientes com muita clareza em sua construção da negritude feminina. São mulheres em uma gruta, preparando seus cabelos trançados, enquanto a figura-chave passeia entre elas. A Fera especificamente é um filme também sobre o empoderamento dessas duas jovens mulheres filhas do protagonista, que conseguem realizar atividades que o pai muitas vezes derrapa em conseguir. Com essas imagens oníricas que remetem a essa ancestralidade e essas novas mulheres protagonizando as ações muitas vezes, o filme ainda apresenta um olhar a respeito de liberdade e assertividade no futuro absolutamente necessário.
O filme ainda presta uma singela homenagem ao Jurassic Park original, dentro e fora da narrativa, que mostra o lugar onde Kormákur mirou; a ideia não era alcançar exatamente, mas mostrar de onde parte sua inspiração. Com seu personagem-título digital repleto de qualidades em sua feitura, o filme ainda consegue o básico que uma produção dessa pede: assusta, impressiona, e não tem medo de mostrar uma certa crueza de maneira pontual. É um divertimento acima de qualquer suspeita, mas isso estava dentro do programado; seu diferencial está em não descuidar da imagem para conseguir o efeito desejado, e o diretor já esbarrou nesse lugar. Em A Fera, tudo termina bem, com direito a um clímax de impacto inegável.
Um grande momento
O desabafo de Nate