- Gênero: Drama
- Direção: Dani Rosenberg
- Roteiro: Dani Rosenberg
- Elenco: Marek Rozenbaum, Roni Kuban, Ina Rosenberg, Noa Koler, Natan Rosenberg
- Duração: 103 minutos
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De cara, um spoiler – do texto: lá embaixo, no “um grande momento”, vocês verão nominada “Never Tear Us Apart”. A crepuscular canção do grupo INXS, hit absoluto no fim dos anos 1980 na voz inesquecível de Michael Hutchence, emoldura a mais dolorida cena de A Morte do Cinema e do Meu Pai Também, filme de Dani Rosenberg que não te afeta imediatamente, mas que agora, 24 horas depois da sessão, começa a incomodar com sua criatividade travestida de cafonice, auto piedade e melodrama. Porque em cenas como essa, o espelho se concretiza e ao vermos as duas faces de Yoel, pai do diretor em suas diferentes encarnações unidas pela impressionante montagem, uma atmosfera fílmica é criada e tudo deixa de parecer o que era antes.
Há um mês, a Netflix punha no ar uma proposta parecida com realização diferente. As Mortes de Dick Johnson, dirigido pela filha do personagem-título Kirsten Johnson, é também um álbum de fotos de família em movimento, cuja característica principal é a mais pessoal possível: despedir-se do próprio pai e gravar à eternidade uma pessoa em vida, e a isso se soma as próprias molas do cinema, de reinventar linguagem para documentar o intangível, e talvez até o inesperado. O filme de Rosenberg tateia no escuro procurando um sentido para a dualidade que é perder o pai no momento em que se torna pai; na tela, a falta de noção do diretor em compreender as muitas camadas de dor e de desamparo que o cercam, ficam claras. E elevam o material.
De repente, o filme cria uma armadilha na nossa frente, para o espectador-emocional – é impossível não compreender tudo que está em jogo, em caráter humano. As demandas de seu pai são tais, as demandas de sua esposa são outras, além das da sua mãe e as suas próprias, e nenhuma delas tem a ver com o filme que está sendo feito. Rosenberg nos joga em conflitos familiares, filmados sob alguns ângulos nada agradáveis e que criam um paradoxo de imagens a partir de eventos reais. A família não quer ser filmada, ela quer ser vivida, mas o diretor não é apenas filho ou marido… ele também é cineasta. É um amálgama grande de elementos pessoais e cinematográficos que se embaralha de propósito e nos coloca em cheque para o julgamento.
O espectador-racional se vê diante de uma peça de cinema cujas peças são fornecidas aos poucos, e que surpreendem ao nos confundir. Dani não é Dani, seu pai não é seu pai… e porque sua mãe e sua esposa o são? Quem é o homem loiro que margeia o filme em curtas caseiros e infanto-juvenis? A Morte do Cinema e do Meu Pai Também, pouco a pouco, revela sua ambição, e o primeiro dado é arremessado na nossa direção quando um gato de pelúcia substitui um felino real numa perseguição noturna. Ali o filme abandona sua dramaturgia para mostrar seus holofotes e dizer que estamos na casa daquela família, filmando seus piores momentos graças a um membro do seu clã; só não estamos com a família verdadeira.
O jogo de Rosenberg, diferente do de Kirsten, não é celebrar a vida ao prever uma dor futura, mas viver essa dor no presente até sua profundidade para celebrar a vida, que foi e que vem. A esposa diz “você esquece que eu nasci há 35 anos”, e sentimos o impacto da carência num grito por carinho; o pai diz “eu decidi que estou cansado”, e sentimos cada rajada de vento congelante que bate nas copas das árvores, testemunhas oculares do diálogo. Há vida pulsante em seu filme, e ele a captura de maneiras que variam entre o ultrarrealismo e a busca pela poesia, em iguais acertos.
Ainda que o intento de filmes como esse, Histórias Que Contamos de Sarah Polley, o de Kirsten já supracitado e tantos outros exemplares na sua maioria bem sucedidos seja introduzir cinematografia ao cinema verité e elaborar assim uma nova vertente ainda mais complexa ao jogo de espelhos que é a essência o moderno cinema documental, Dani Rosenberg cria pra si e pra sua família um desdobramento novo, pois agora seus rostos pra sempre serão outros rostos, mesmo que ele tenha os apresentado, enfim. Ao se esconder imageticamente do processo de luto, o diretor só apura o mesmo se revelando.
Agora, 24 horas depois da sessão, A Morte do Cinema e do Meu Pai Também mostra a qualidade em escrever um texto fora do imediatismo do ato de ver o filme: um filme novo se forma na memória, um filme mais claro, independente de suas qualidades, que são inúmeras. Na superfície de cenas marcantes que o filme elenca (a explosão de Yoel deitado no sofá, e as tantas descritas acima), no entanto, é com os acordes do INXS que o filme nos abandona… “i was standing… you were there… two worlds collided… and they could never tear us apart…”, enquanto um picolé é degustado, entre lágrimas.
Um grande momento
“Never Tear Us Apart”