- Gênero: Documentário
- Direção: Katia Lund
- Criador: Chico Felitti
- Temporadas: 1
- Duração: 50 minutos
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Um mistério que não está apenas na casa, mas se revela em uma voz que resiste. A Mulher da Casa Abandonada, com direção-geral de Katia Lund, retoma a história que ganhou repercussão no podcast homônimo de Chico Felitti, e agora dá a ela outra densidade por colocar diante da câmera Hilda Rosa dos Santos. Durante décadas, esta mulher viveu em condições análogas à escravidão nos Estados Unidos, e é a sua fala, pela primeira vez, que transforma a série em algo mais do que um simples true crime. Embora ali estejam todos os elementos do gênero, seu rosto, sua entonação e seus relatos do inacreditável dão outra força à narrativa.
A presença de Hilda é desconcertante porque rompe com o silêncio que lhe foi imposto e, de certa forma, continua sendo. Ela fala de memórias, da espera e do cotidiano transformado em prisão. É na maneira como ocupa o quadro, nas pausas, no cansaço visível no corpo, que a violência se traduz. A série não revela apenas fatos, revela a materialidade de um trauma que nunca deveria ter ficado em segundo plano.
Margarida Bonetti, a mulher da casa abandonada, aparece em gravações antigas e em imagens encenadas como contraponto. Fugiu dos Estados Unidos antes de ser julgada e vive reclusa em um palacete em Higienópolis, hoje em ruínas, cercado de entulhos e de vizinhos curiosos. O contraste é brutal. O luxo transformado em decadência encobre uma história de violência que ela trata com cinismo, como se nada tivesse acontecido. A casa não é apenas cenário, é testemunha do abandono e da recusa em assumir culpas.
A narrativa também faz questão de reconstituir o espaço onde Hilda foi mantida em trabalho escravo. O porão da casa estadunidense, como uma nova senzala, deixa claro que a violência de séculos continua encontrando formas de se atualizar. As paredes carregam essa lembrança, e a série insiste em não deixar que seja esquecida.
Porém, nem todos os recursos visuais funcionam. As encenações, em alguns momentos, se prolongam mais do que deveriam, mas há escolhas que marcam, como o som da campainha, repetido como um refrão incômodo, pontuando o andamento dos episódios e devolvendo a sensação de que a violência não ficou no passado. O horror continua soando, interrompendo a ideia de distanciamento.
O que permanece na tela é a alteridade de Hilda frente ao silêncio de seus agressores e o sobra entre memória e ocultamento; assim como a estrutura que se desfaz como testemunha, entre o esconderijo e o cativeiro. A história é menos sobre resolver um mistério e mais sobre devolver lugar a quem foi privada de voz e existência. E é o retrato dessa presença, dolorosamente viva, que transforma a série num documento de resistência. A Mulher da Casa Abandonada não é só mais um espetáculo policial como tantos que estão por aí, é o retrato de um país que se alimenta da invisibilidade e do silenciamento.
Melhor episódio
T01E02: A mulher da casa


