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A Noite do Triunfo

Arte é liberdade

(Un triomphe, FRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Emmanuel Courcol
  • Roteiro: Emmanuel Courcol, Thierry de Carbonnières, Khaled Amara
  • Elenco: Kad Merad, David Ayala, Sofian Khammes, Wabinlé Nabié, Pierre Lottin, Lamine Cissokho, Marina Hands, Saïd Benchnafa, Laurent Stocker, Mathilde Courcol-Rozès, Aleksandr Medvedev
  • Duração: 105 minutos

A arte é um ato de resistência por si só. Uma forma de comunicação tão ampla e abrangente que talvez nenhuma outra expressão consiga alcançar, em seu alcance. Através da arte exercitamos nossa imaginação, conhecemos novos mundos, vivemos diferentes realidades, diferentes sentimentos, descobrimos novos universos e vidas tão diferentes das nossas, só possíveis por um encontro tão mágico. Acima de tudo, a expressão artística de qualquer vertente liberta, o corpo e a alma. A Noite do Triunfo é sobre isso tudo e também retrabalha uma singeleza que não é acessada com facilidade pelo cinema, enquanto expressão escolhida em sua representação.

Emmanuel Courcol é um ator veterano em sua segundo investida na direção, aqui adaptando para as telas uma história real acontecida mais de 30 anos antes, em 1988, quando um ator frustrado conseguiu exercer sua profissão dando aulas de teatro a um grupo de encarcerados, propondo a eles uma releitura de “Esperando Godot”, a seminal obra de Samuel Beckett. Isso originalmente aconteceu na Escandinávia, sendo aqui transposta em igual condições para a França contemporânea, sem perder seus entremeios e desfechos. O que chama a atenção é o que é feito para que tal encenação, tanto na obra filmada quanto no resultado dessa experiência enquanto cinema, é a força do afeto, e os múltiplos significados que cada uma de suas palavras é significada em tela.

As palavras que compõem o título do texto, por exemplo. Muitas definições de arte são compostas como parte integrante de uma definição mais acurada, assim como cada personagem lida com a sua própria concepção do fazer artístico e recalcula suas rotas a partir da conexão com aquela função. O filme lida com uma ironia em sua execução, porque seu protagonista Etienne é posicionado no lugar de opinar a respeito de comediantes de stand up, e se manifesta negativamente quanto a esse lugar. No desfecho do filme, no entanto, tudo pareceu seguir uma lógica própria e é esse, então, o novo lugar do personagem na arte – parado sozinho em um palco, contando as desventuras que o levaram até ele, até com comicidade.

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A liberdade, em paralelo, é o outro dos motores da trama. Não deixa de ser óbvio, tendo em vista que se trata de um grupo de homens presos com sede de vida. São figuras trágicas, que obviamente cometeram erros fatais e imperdoáveis, mas a quem cujo sonho não é negado, por meio de si próprios. Da capacidade de deslocar a realidade onde vivem para encenar uma possibilidade impensada, eles se conectam enfim com algo que parecia impensável: há sim a possibilidade de fuga, ainda que ela tenha prazo de validade estabelecido. Através do palco, seis homens se vêem finalmente não apenas recebendo reconhecimento, mas propensos a projetar um futuro, ainda que imaginário.

Quando seus personagens precisam intercalar então essa dubiedade, entre a violência do que conhecem e a possibilidade de uma redenção através do sonho, A Noite do Triunfo começa então a fazer sentido para longe da previsibilidade. O roteiro de autoria de Courcol, Thierry de Carbonnières e Khaled Amara estuda seus personagens em exatidão, inclusive paralelizando os erros de seu protagonista com os de seus alunos, sem paternalizar nenhum lado. Talvez por isso sejam tão críveis, mais ainda que sua própria narrativa, e reside em muito desse lugar o abraço à produção, porque somos levados a investigar seu caráter. Entre outros acertos do roteiro, está em propôr soluções fáceis que sempre são abolidas em pouco tempo, propondo novas leituras do seu material a cada nova camada.

Se faltou estabelecermos maior contato com o passado de cada um, A Noite do Triunfo é consciente de não se ater ao que é pregresso em cena – conhecemos cada homem a partir dali, incluindo Etienne. Ao não conhecer os erros de nenhum deles a fundo, o filme os coloca em zona de igualidade mesmo sem ser, e aproxima seus desfeitos e mau feitos. É através desses pontos que a empatia mais genuína ocorre; o sonho de liberdade é comum a todos, seja você um infrator ou um ator frustrado com o que não aconteceu. Com um elenco absolutamente vulcânico, tanto o humor quanto a emoção são alcançados com iguais méritos, em equilíbrio raro de reverberação amplificada em cada espectador.

Um grande momento
O filho de Kamel

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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