Crítica | Cinema

Pacto da Viola

(Pacto da Viola, Brasil, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Guilherme Bacalhão
  • Roteiro: Aurélio Aragão, Guilherme Bacalhao, Roberto Robalinho
  • Elenco: Wellington Abreu, Sérgio Vianna, Gabriela Correa, Márcia Costa, Marcio Rodrigues, Abaetê Queiroz, André Araújo, Léo Gomes
  • Duração: 99 minutos

É no sertão, entre promessas e cantos de viola, que brota a história de um homem que precisa voltar para encontrar o que nunca teve. Pacto da Viola, de Guilherme Bacalhão, se constrói nesse lugar onde o antigo e o novo se cruzam e revela uma paisagem que é também estado de espírito. Um músico sem sucesso volta ao lar, onde a viola é uma ponte entre o sagrado, o profano e o desejo de pertencimento.

Alex (Wellington Abreu) é esse cantor que perdeu o compasso da cidade grande e retorna a Urucuia. Lá se reencontra com o pai, Lázaro (Sérgio Vianna), um violeiro e capitão da Folia de Reis, homem adoentado pelo luto e conhecido por histórias fantásticas de um suposto pacto com o diabo. Para salvar a si mesmo e ao pai, o protagonista precisa entender e enfrentar os rituais da folia, mergulhando nas crenças locais, numa travessia em que mito e realidade caminham juntos.

A força do filme está em sua ambiguidade. Sem impor ao público uma crença ou uma descrença, Pacto da Viola prefere a sombra, a dúvida e o gesto que pode ser lido de várias maneiras. O misticismo não aparece como espetáculo, mas como parte orgânica de uma comunidade que vive entre a fé e a suspeita. A câmera se detém na fotografia quente do sertão, nos cantos da Folia de Reis, no suor dos rituais, e compõe um mundo em que santo e diabo não são opostos, mas vizinhos.

Em seus melhores momentos, o longa consegue transformar a viola em personagem. O instrumento não é apenas som, mas ritual, memória, promessa e maldição. Em uma das cenas, Alex segura a viola com as mãos trêmulas e a câmera comprime o plano, deixando visível a tensão entre o homem e o objeto, entre o desejo de seguir e a lembrança de um passado que o prende. Um gesto simples que resume a força do filme.

A beleza estética não aparece como ornamento, mas como parte essencial da narrativa. Cada quadro é tecido por tradição, cada luz é impregnada de poeira e fé. No entanto, essa mesma insistência em compor imagens calculadas, somada à repetição de situações, alguns rituais e símbolos, acaba tornando a narrativa um pouco arrastada. A recorrência cria atmosfera, mas em certos pontos esvazia a tensão, afastando o espectador da urgência.

Ainda assim, há algo de hipnótico em como o filme recria o sertão como lugar de encantamento e ameaça. Pacto da Viola é uma obra que se enraíza na tradição, mas sabe dialogar com o presente, evocando tanto a resistência das culturas populares quanto as forças que as ameaçam. É um filme que ecoa, porque lembra que toda crença é também metáfora de sobrevivência, e que a viola, entre o sagrado e o profano, guarda em suas cordas uma história de fé, medo e permanência.

Um grande momento
O pai conhecendo a música do filho

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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