Crítica | Festival

Você Não Terá Meu Ódio

Drama incessante

(Vous n'aurez pas ma haine, FRA, BEL, ALE, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Killian Riedhof
  • Roteiro: Marc Blöbaum, Jan Braren, Stephanie Kalfon
  • Elenco: Pierre Deladonchamps, Camélia Jordana, Zoé Iorio, Christelle Cornil, Thomas Mustin, Farida Rahouadj, Anne Azoulay, Yannick Choirat
  • Duração: 100 minutos

Em 2015, 130 pessoas morreram em ataques terroristas coordenados ocorridos em solo parisiense, mais estritamente na boate Bataclan – somente lá, foram 89 vítimas, incluindo os perpetradores do ato. Tais eventos destruíram a imagem que construímos da Cidade Luz, sinônimo de beleza, sofisticação e inteligência, enfim deflagrados pelo horror. Não demoraria para vir filmes inspirados pelos acontecidos (Amanda, de Mikaël Hers, por exemplo), ou diretamente inspirados, casos de Um Ano, Uma Noite, também presente nessa seleção do Festival do Rio, e esse Você Não Terá Meu Ódio, filme que em muito se assemelha ao belíssimo título de Hers, mas que investe em algo mais carregado de elementos. 

Dirigido pelo alemão Killian Riedhof, o filme é sua estreia no cinema francês, e praticamente sua primeira vez como realizador fora da produção televisiva. Embarcando em um arco narrativo que foi amplamente noticiado pela tv, e o lugar de onde seu protagonista acabou sendo cooptado, Riedhof compreende o universo de onde se aproxima do ponto de vista estético. Ainda conta a seu favor uma grande influência midiática que se estabeleceu ao redor desses eventos, que por meses giraram em torno de seus desdobramentos, vítimas e sobreviventes. Ou seja, Você Não Terá Meu Ódio é uma ponte muito interessante entre o veículo que seu diretor transitava livre e uma nova experiência onde a sutileza precisa fazer uma diferença que não é cobrada na tv.

Você Não Terá Meu Ódio
Cortesia Festival do Rio

O filme foi adaptado do romance escrito por Antoine Leiris, o próprio sobrevivente emocional da tragédia, que se torna aqui protagonista também. Ele era casado com Hélène, uma das 89 vítimas fatais da tragédia, e se viu sem voz e sem chão durante algumas semanas. Destruído e sem encontrar compreensão dentro de suas próprias dores, Antoine escreve um post no facebook que viraliza de maneira avassaladora, sendo compartilhado mais de 20 mil vezes. Nesse relato, o jovem pai discorre sobre como ele e seu filho pequeno precisam sobreviver não apenas ao trauma e a dor lancinante, mas principalmente ao estado de selvageria e ao ódio generalizado. Essa é a inspiração do livro, que motivou também o filme, e que procura refletir com alguma distração sobre a fala do personagem. 

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Não é um mergulho absoluto nessa problematização fácil de ser amplificada que Você Não Terá Meu Ódio é assolado, e sim dos fatos concretos, suas reações acontecidas. Temos a impressão inclusive que existe, no personagem e no filme, uma fuga a respeito de como suas palavras e ações repercutiram negativamente na sociedade. Porque o impacto positivo ele é claro e real, sua recusa a auto comiseração fazem de Antoine um exemplo de ser humano, mas onde estaria guardada a revolta desse homem ao perder o amor de sua vida? E porque isso é uma saída, enquanto atitude, e o abraço a dor, ainda que momentaneamente, não? Antoine convive com sua família e a da esposa, todos dilacerados, como se fosse um espectro em ritmo diferente dos demais, e apenas em dois ou três momentos ele é confrontado com suas decisões em relação a empatia. 

Você Não Terá Meu Ódio
Cortesia Festival do Rio

Diferente da abordagem de Hers para a dificuldade de lidar com a perda diante da tragédia e com uma criança exigindo atenção, Riedhof não se apega ao sutil. Pelo contrário, Você Não Terá Meu Ódio é bem explícito no seu projeto de tratar a tragédia de um ponto de vista da sobrevivência emocional. Antoine não é necessariamente um personagem expansivo, mas sua discrição inexiste quando refletido em sua perda. Apesar de tratar as imagens de maneira objetiva e até com alguma delicadeza, o diretor alemão é excessivamente sensível, alocando muito sofrimento no filme. Não é como se fôssemos ver um tratado sobre o fundo do poço psicológico de alguém, existe muita expressividade na produção. É exatamente dela que vem essa característica marcante do filme, sua ostensiva propensão a um drama muito pesado. 

Ao contrário do que se imagina, no entanto, Você Não Terá Meu Ódio não é uma produção rodada com mão de ferro. Em cena, temos o pequeno Zoé Iorio contracenando com Pierre Deladonchamps (de Um Estranho no Lago), que já arremessa uma leveza desconcertante ao material. A presença desses dois personagens cria um contra senso até positivo ao filme, já que o pequenino ator deve ter por volta de 3 anos e entende pouco do seu entorno, enquanto Deladonchamps tem vastos recursos para utilizar em cenas menos sutis. O que incomoda de verdade no filme nem é tanto seu peso excessivo no tratamento do drama, mas o fato de que nada parece ir além de encenar os eventos acontecidos veridicamente. Nesse caso, escolha o filme de Hers, com toda certeza. 

Um grande momento
Melvil joga os livros no chuveiro

[Festival do Rio 2022]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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