Crítica | Cinema

A Verdadeira Dor

A medida da dor

(A Verdadeira Dor, EUA, POL, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Jesse Eisenberg
  • Roteiro: Jesse Eisenberg
  • Elenco: Kieran Culkin, Jesse Eisenberg, Banner Eisenberg, Will Sharpe, Daniel Oreskes, Liza Sadovy, Kurt Egyiawan, Jennifer Grey, Ellora Torchia
  • Duração: 90 minutos

Como gerações futuras se relacionam com os traumas de seus antepassados? O quanto deles ficam e a dificuldade de ultrapassá-los é uma questão complexa de responder. A Verdadeira Dor, dirigido por Jesse Eisenberg, fala da segunda geração pós-holocausto, daqueles que seriam os netos dos que sofreram com as perseguições e extermínio pelos nazistas. O filme não busca uma resposta, mas tenta relacionar o que resta ao que permeia o cotidiano dos descendentes, personalizados nos primos Benji e David Kaplan. Eisenberg, que atua, dirige e assina o roteiro, é neto de judeus, e se inspira em uma viagem que fez em busca de suas origens, à cidade de sua avó, uma judia polonesa.

Existe algo muito confuso em se relacionar com um evento tão trágico e isso é bem trabalhado no texto. Enquanto os primos buscam essa identidade perdida, eles lidam com a culpa por viverem sem ter passado pelos horrores enfrentados por seus avós. Isto leva, imediatamente, à minimização de suas próprias dores e angústias. Como se não fosse permitido sentir nada mais grave, ou se não pudesse haver uma tristeza ou dor maior em suas próprias existências, já que o pior foi enfrentado por outras pessoas. O que é seu torna-se, ou pelo menos deveria tornar-se, insignificante. Não deveria jamais existir.

Em cena, duas personalidades que não se encaixam, mas se adoram. David é retraído, controlador e está sempre preocupado; enquanto Benji é expansivo, faz amizade com todo mundo e não está nem aí para quase nada. Cada um, lidando à sua maneira com os seus conflitos internos e com a ansiedade causada pela dor maior que os assombra, têm dificuldade para olhar para si mesmos. Einsenberg destaca isso, com seus diálogos longos e nem sempre parcimoniosos, e com situações por vezes exageradas, mas que marcam os dois personagens em críveis diferenças.

Eisenberg veste bem a roupa do sempre tenso David, enquanto Kieran Culkin dá um show como o acelerado Benji. Mais do que “Kieran sendo Kieran”, como muitos dizem, o ator tem o carisma para preencher os espaços e trazer o brilho de seu personagem aos ambientes, mas também consegue alcançar as notas mais profundas, chegando à melancolia que ele busca esconder com toda sua extroversão. Além dos indivíduos, a química entre os dois é fundamental para que a dinâmica do filme se estabeleça. A diferença de voltagem, afinal de contas, é o que faz com que o todo funcione.

Pensando agora no por trás das câmeras, A Verdadeira Dor mostra um amadurecimento do cineasta, que não abandona suas influências primeiras e equilibra melhor o drama e o humor. Mais seguro no ritmo, o filme consegue chegar a lugares que fazem valer as reflexões do roteiro, algo que, embora a qualidade de texto também esteja lá, não funciona tão bem em Quando Você Terminar de Salvar o Mundo, primeiro longa de Eisenberg. Há ainda outras preocupações com a produção de agora, mas é no modo como a história é contada e nas atuações que está sua força-motriz.

Buscar algo que fica de maneira tão perene e através de gerações, interferindo no modo de sentir e entender os próprios sentimentos, é complexo e arriscado – inclusive, o filme consegue se universalizar quando se expande a herança da dor para quaisquer outras atrocidades que vão além do holocausto, de guerras a regimes ditatoriais, de chacinas ao massacre de minorias. Entre o resgate e a descoberta, A Verdadeira Dor é a busca pela compreensão da influência de algo muito grande e de como o indivíduo está além disso. É o tentar se ver de verdade diante do todo, e entender que aquela dor sempre vai ser enorme, mas, para além dela, a dor de cada um é enorme também.

Um grande momento
No terraço

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

0 Comentários
Mais novo
Mais antigo Mais votados
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo