Gênero
Direção: Maurício Gomes Leite
Elenco: Paulo José, Dina Sfat, Joana Fomm, Mário Lago, Márcia Rodrigues, Hugo Carvana, Paulo César Peréio, Carlos Heitor Cony, Milton de Souza, Ferreira Gullar, José Lewgoy, Renata Sorrah, José Wilker
Roteiro: Maurício Gomes Leite
Duração: 97 min.
Nota: 8
A Vida Provisória é o único filme do jornalista e crítico de cinema Maurício Gomes Leite. Muito do que ser vê na tela tem influências claras da Nouvelle Vague, mais especificamente de Godard, um dos maiores nomes do movimento francês e de quem o diretor era grande fã. Ao mesmo tempo, há uma identificação muito forte com o cinema que se produzia no Brasil no mesmo período, quando a cidade e o homem da cidade, em conflitos e concordâncias, tornam-se palco e protagonista de novas histórias.
O ano é o de 1968. O mundo inteiro fervilhava e o Brasil estava prestes a tomar o mais duro golpe da ditadura militar instaurada há quatro anos, o AI-5. Era o fim da representação política, o início da censura prévia e a institucionalização da perseguição e da tortura como forma de controle social. O fim da liberdade e dos direitos.
Como a crônica de uma morte anunciada, A Vida Provisória traz a iminência deste acontecimento. Demonstra, com as angústias de seus personagens e a construção de suas trajetórias, a inevitabilidade de um fim trágico que todos sabiam estar prestes a acontecer. Como se não houvesse maneira de chegar em um outro lugar tendo aquele ponto de partida.
A história que se conta é a de Estevão, jornalista de um veículo da mídia tradicional designado para cobrir um pronunciamento do ministro das relações exteriores, brilhantemente interpretado por Paulo José. Em sua apuração, ele descobre indícios de uma transação que entregaria a exploração de minérios a empresas estrangeiras. A narrativa política é entrecortada por amores de sua vida, em relações também politizadas: Paola, esposa de um diplomata com quem tem um caso, e Lívia, namorada dos tempos de colégio.
Filmado no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e numa Brasília ainda não acabada, o longa usa a variedade de locações para descentralizar o sentimento de inadequação que oscila entre indignação, apatia e conformismo a cada novo ambiente e a cada novo encontro. Com os espaços vazios da Capital, ampliados pelo horizonte sempre visível do Planalto Central, transmite também a impotência diante da enormidade do leviatã.
Nas tomadas internas, há toda uma dedicação à construção cênica, com quadros belíssimos fotografados por Fernando Duarte, como os dos encontros de Estevão e Paola no apartamento do jornalista ou da tortura latente do protagonista e Márcia. Duarte e Gomes Leite traduzem as contradições faladas em imagens potentes. A persona de Estevão, mais do que nas palavras, está naquele refeitório vazio onde se encontra, ou no caminhar contra a multidão, entre outros momentos.
Em um filme que se sustenta no contraste das relações públicas e privadas, as determinações individuais são fundamentais, assim como todos os questionamentos ao longo do longa. Como o pequeno filme comunista ao qual Estevão assiste com Lívia; o encontro com o amigo engenheiro, que ao ser lembrado de sua “domesticação”, fala do jornal conservador para o qual ele trabalha; ou as muitas divagações de Paola e o seu enxergar do papel dos jornalistas, facilitado e afastado da luta real. Cada frase e quadro fazem com que a inação do protagonista seja confrontada e, mesmo que não tão intencional ou consciente, sua ação encontre a grandeza.
Ao atingir este local, o filme de Gomes Leite mostra-se de uma potência política inegável, que expõem muito do modo como se encara e vive o assunto até hoje. Aliás, chega a ser assustador perceber o frescor e a atualidade de A Vida Provisória.
Um filme de 50 anos que, a despeito do tempo decorrido, encontra o mesmo estado de suspensão social, onde boa parte dos discursos e pensamentos não se realiza, seja por apatia, medo ou silenciamento externo. Num círculo vicioso que confirma essa provisoriedade quase eterna das vidas daqui.
Um Grande Momento:
“O mais difícil é lutar para conservar um sentimento que a gente sabe que já morreu.”
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