- Gênero: Comédia
- Direção: Anne Fletcher
- Roteiro: Jen D'Angelo, David Kirschner, Blake Harris
- Elenco: Bette Midler, Sarah Jessica Parker, Kathy Najimy, Whitney Peak, Belissa Escobedo, Lilia Buckingham, Sam Richardson, Doug Jones, Tony Hale, Froy Gutierrez
- Duração: 103 minutos
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Devo ter sido uma criança muito estranha (ok, eu fui mesmo), porque reassistindo essa semana ao primeiro Abracadabra, não consegui encontrar qualquer motivo que justificasse qualquer sentimento de nostalgia, de minha parte. O primeiro Top Gun também não me diz nada, mas Top Gun: Maverick o coloca em posição de superioridade por ter rendido uma continuação tão recompensadora. Se esse não é o caso de Abracadabra 2, que acaba de estrear na Disney+, ao menos consegue repetir o que o longa protagonizado por Tom Cruise realizou: bastante superior ao original, o filme dirigido por Anne Fletcher consegue um grau de comunicação com um público mais amplo. Ao final da sessão, praticamente tudo foi suplantado, em relação ao primeiro.
Fletcher não é uma diretora exímia de construção cênica, mas é uma dessas operárias padrão muito habilidosa no que entrega. Assim como o diretor do original, Kenny Ortega, Fletcher é dançarina de formação e as cenas que exigem alguma corporalidade do seu elenco, são muito bem executadas. Tal como na primeira parte, também em Abracadabra 2 ao menos uma cena musical está presente, e se trata do momento que o espectador espera ansioso, no que é plenamente correspondido. Isso também justifica a presença dessa sua experiência, que faz com que a diretora de Ela Dança, Eu Danço se sinta tão à vontade no projeto. No desenrolar do filme, temos a certeza de que a produção encontrou excelente substituta.
Aqui, algo que estava nas entrelinhas do título original, se explicita. Temos direção e roteiro que se cabem às mulheres, por isso algo tão comum ao universo da opressão feminina, a bruxaria, vira enfim um foco de discussão no que concerne seus desdobramentos. Não estou falando de uma metáfora ampla, como em As Bruxas de Salem, mas de uma pitada de ousadia a uma produção que, não podemos esquecer, é da Disney. Enquanto produto infanto juvenil produzido pela máquina que praticamente só produz para esse segmento, Abracadabra 2 promove um diálogo muito interessante para que esse público acesse novas perspectivas de análise. Com um pouco (ok, não é muito mais que isso) de boa vontade, conseguimos enxergar uma movimentação de gênero ali dentro.
Além das questões políticas, Abracadabra 2 também amadureceu esteticamente. Enquanto o primeiro era uma produção cinematográfica que mesmo à época soava como um produto perdido diante da comparação com outros títulos para a mesma faixa etária, esse novo é um título produzido para o streaming que parece mais sofisticado e ágil. Não que seja exigido muito além do que precisava em cena, mas o pouco que é oferecido ainda soa superior ao que vimos em 1993. Assim como o primeiro, os efeitos especiais não são o carro chefe da produção, mas eles aqui soam mais graciosos e evidentes, com um acabamento superior e uma funcionalidade ainda mais adaptada ao que o filme propõe. A ideia da fábula continua fazendo sentido e deixando a produção livre para produzir algo sutil, que reside muito mais na memória que no gráfico.
O duo de filmes parecem ter um alinhamento gradativo de valores e situações, mas essa produção nova se sobressai no roteiro. Desde a abertura acompanhando a infância das irmãs Sanderson, até os dias de hoje, onde um trio de amigas parece se identificar com aquelas mulheres do passado, o que vemos é a evolução do feminino, não dentro da narrativa, mas nos tempos flagrantes. Através do olhar para trios diferentes de mulheres, vemos a narrativa se modernizar; o que era encarado de maneira ameaçadora e destrutiva, além do pouco espaço para a real sororidade, o novo protagonismo permite que inclusive os laços anteriores sejam refeitos. O que está em cena é a união que mulheres devem proporcionar a si, independente dos motivos que as separa – no caso, os homens, quase sempre permitindo desavenças desnecessárias. Abracadabra 2 refaz trajetórias historicamente destituídas de afeto para inserir os meios pelo qual nos unimos.
Pra completar o show, finalmente Bette Midler tem o que fazer com sua Winifred. Servida como uma personagem-líder no anterior, a estrela de A Rosa enfim brilha na última cena de sua personagem, quase com um monólogo espiritual a respeito desses valores citados acima. É um belo momento para uma atriz que trabalha cada vez menos no cinema, mas que nos serviu momentos inesquecíveis em filmes como Cuidado com as Gêmeas e Amigas para Sempre. Midler, assessorada por excelentes Sarah Jessica Parker e Kathy Najimy, está em estado de graça, divertindo e divertida, em um daqueles momentos que definem o ‘star power’ de alguém. É um prazer infindável acompanhar sua interpretação e sonhar com o seu retorno a frequentar nossa cinefilia.
Um grande momento
‘One way or another’