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Abraço de Mãe

Tipos de horror

(Abraço de Mãe , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Cristian Ponce
  • Roteiro: Gabriela Capello, André Pereira, Cristian Ponce
  • Elenco: Marjorie Estiano, Javier Drolas, Chandelly Braz, Ângela Rabello, Val Perré, Thelmo Fernandes
  • Duração: 88 minutos

Existe tanto cuidado na feitura, no que foi desenvolvido para ocupar a imagem em Abraço de Mãe, e o filme é uma resposta brasileira a um cinema de gênero sem qualquer timidez, que é quase incomum compreender que trata-se de uma produção Netflix. Não é apenas textura e qualidade de realização, mas um mergulho profundo em um cenário onde há a preferência por um olhar genérico que resolva rápido questões práticas, de produção e intencionalidade. Aqui, a ideia de homenagear quem se admira e a também produzir um olhar particular diante de uma proposta tão aberta à repetição, acaba por parir um material cuja diferenciação se dá através de não se mostrar preso a burocracias. 

Tirando os projetos especiais, aqueles gestados para concorrer a prêmios, os títulos de streaming geralmente são cobertos por uma atmosfera genérica, e o que é pior, por uma roupagem anódina que impede suas qualidades outras de virem à tona. Encontrar o trabalho de Cristian Ponce para Abraço de Mãe é entender que o audiovisual brasileiro não precisa ficar refém de marcas e expectativas baixas. Além disso, o cinema de gênero brasileiro está aparecendo e mostrando resultados, vide apenas o que chegou nos últimos anos, que acaba por encontrar reforço aqui, um modelo de cinema que é pouco feito no Brasil. Como nos melhores exemplares que John Carpenter nos legou (e que é referenciado aqui, explicitamente), o cinema cósmico parece voltar com tudo nos últimos anos. 

O filme utiliza de um pano de fundo verídico acontecido nos anos 1990 no Rio de Janeiro, que eram as chuvas catastróficas que inundavam a cidade, e com isso unir um evento climático ao horror, como catalisador de situações. Dessa forma, Abraço de Mãe demonstra ainda mais maturidade narrativa, quando arma sua base em um ponto de partida provável, para alcançar o inenarrável. Assim como o autor homenageado, Ponce lida com sua linha narrativa de maneira a servir o trabalho de ambiência, e que por sua vez alimenta tal universo com chamados certeiros a construção de planos e imagens. É uma escola de produção que não impede que o autor faça seu trabalho com a maior carga de liberdade possível. 

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Ponce, em seu segundo longa metragem, demonstra domínio impecável para os códigos mais tradicionais de uma história como essa. Abraço de Mãe combina o filme de trauma com o filme de casa assombrada, para descambar nesse lugar sobrenatural do desconhecido. Percebe-se seu talento quando essa combinação, que poderia ter dado muito errado, parece equalizar seus setores em separado, para mostrar o conjunto em sintonia. Tudo converge para essa situação cada vez mais inóspita, no qual nada parece muito reconhecível diante do naturalismo, e é justamente tais esforços que compensam as perceptíveis escorregadas do roteiro. 

Ainda que toda a parte técnica do filme seja acima da média, a direção de arte de Lucas Osório contribui para a criação dessa múltipla camada que se aplica quando o cenário parece o mais adequado possível. A casa de repouso em ruínas onde 80% da produção é ambientada, se desdobra para envolver cada vez mais o espectador em torno do conceito do filme. É a certeza de um lugar insalubre do ponto de vista natural, e ameaçador do ponto de vista do gênero, que nos conecta aos desdobramentos da produção. 

A cereja no bolo é o protagonismo de Marjorie Estiano. Como em qualquer produção em que esteja envolvida, a atriz descoberta pela tv e que explodiu nos cinemas em As Boas Maneiras, veste-se aqui de uma ambiguidade que não passa pelo bem e pelo mal, mas pela força e pela fragilidade. Comandando um elenco sui generis, Estiano é uma das maiores de sua geração e aqui ela demonstra seu potencial completo. Como pede Abraço de Mãe, sua intérprete principal se comunica de forma complexa com a narrativa, porque é dela que se extrai mais de metade da força emocional do filme. É ela quem resgata humanidade ao filme, e mostra que também é chegada a hora de perceberem que filmes de terror emocionais não são apenas possíveis, mas essenciais. 

Um grande momento

O mergulho 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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