Crítica | Streaming e VoD

Alice

Atração inacreditável

(Subservience, EUA, 2024)
Nota  

O conceito de “prazer culpado” existe disseminado nas redes sociais, e esse mesmo crítico que vos escreve nesse momento já falou sobre essa teoria, que consiste na produção no qual algum grau de sedução existe, por piores que sejam os resultados. Como tudo, existe subjetividade em cada olhar, que pode observar qualidades insuspeitas em produções que a maior parte do espectador não percebe. Por aí, já tem quem coloque Alice dentro de um escopo “é tão ruim que acabou ficando bom”; não percebo tais características no sucesso do Prime Video, o filme não alcança esse lugar, no meu escopo analítico. O que salta aos olhos é a quantidade infindável de referências a outras produções enganchadas na narrativa, todas unitariamente muito superiores. 

Imaginem um combo que mistura M3gan Atração Fatal, com uma amante cuja ira vai sendo propulsora de eventos cada vez mais terríveis, com o agravante dessa personagem ser uma robô de utilidades domésticas com a cara da Megan Fox. Olhando esse viés, existe o imenso acerto de escalar Fox para interpretar uma criatura desprovida de qualquer traço realista, tendo em vista o inexistente talento ainda não apresentado pela atriz – o que foi apresentado em Até a Morte, como única tentativa, ainda não configura ressurreição, ou no caso dela, revelação. Ou seja, existiria em Alice uma grande interpretação? Não, o que existe é um dos casos mais felizes de adequação de material narrativo ao interpretativo. 

Ao redor dela, dois rostos curiosos. O primeiro é o de Madeline Zima, que estreou no cinema há mais de 30 anos como a personagem infantil de A Mão que Balança o Berço, servindo às maldades causadas por Rebecca DeMornay. A ficha corrida da moça é imensa, tanto em cinema quanto em séries de TV, mas nada que ela tenha feito posteriormente alcançou o burburinho do seu filme de estreia, de 1992. Ela interpreta a esposa que é traída pelo marido com a babá eletrônica, e injeta tanta vida na personagem quanto faria um outro autômato. Podemos articular que em Alice ela é uma paciente cardíaca convalescente, mas convém prestar atenção na personagem-título quando ela repete que o casal estava em vias de separação, a notar pela energia desaparecida de sua mocinha. 

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O segundo nome é o de Michele Morrone, nada mais que o protagonista da cinessérie 365 Dias, vencedora (merecida) de um punhado de Framboesas de Ouro alguns poucos anos atrás. De beleza desconcertante, o rapaz italiano invadiu o mundo com uma interpretação, digamos, física para a trilogia sexual bancada pela Netflix. Não demora para percebermos que sua escalação em Alice tem a mesma função, participar de jogos libidinosos de altas temperaturas com ambas as suas colegas de elenco. O que aproxima ainda mais a produção do que vimos no filme de Adrian Lyne protagonizado por Michael Douglas e Glenn Close. A diferença é o talento envolvido entre os dois filmes, este aqui assinado por S. K. Dale. 

Trata-se do mesmo diretor que extraiu de Fox o que vimos em Até a Morte, um filme que em absolutamente tudo é superior a Alice. Infelizmente, nada do que ele apresentou na sua estreia na direção é replicado aqui, um filme que carece de um propósito que o desconecte dessas inspirações esdrúxulas. O que vemos é um título absurdo que em cada cena parece tornar as apostas ainda mais altas, só que na direção do abismo. São diálogos surreais em sua ausência de qualidade ou mesmo lógica, onde um homem e uma boneca discutem coisas ilógicas como uma traição que existe entre eles. Ou no inacreditável momento onde a robô ameaça a mãe da família enquanto a mesma tomava banho. É um daqueles casos onde o gancho da produção não consegue ser vendido, ou valorizado. 

O espectador segue até o final incrédulo na cara de pau coletiva com tudo o que é apresentado, restando não muito além de um profundo aborrecimento e da surpresa com tamanha ousadia em apresentar tal argumento ao mundo. Quando Alice começa a ameaçar falar sério sobre a questão da dominação da inteligência artificial e das consequências da falta da regulação, é que cai a ficha de que uma bobagem foi longe demais na tentativa de soar séria. 

Um grande momento
Na banheira

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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