Crítica | Streaming e VoD

Amor em Tempos de Polarização

No fio da navalha

(Kryptonim: Polska, POL , 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Piotr Kumik
  • Roteiro: Jakub Ruzyllo, Lukasz Sychowicz
  • Elenco: Maciej Musialowski, Magdalena Mascianica, Borys Szyc, Antoni Królikowski, Karol Bernacki, Mateusz Król, Karol Kadlubiec, Piotr Cyrwus, Zoja Zbaska
  • Duração: 88 minutos

Assistir esse novo Amor em Tempos de Polarização, estreia da semana passada na Netflix que infelizmente não chama atenção como outros sucessos, é pedir para manter um olho no risco que o filme corre a todo tempo. Não falta coragem ao seu diretor ao encampar essa trama bastante contemporânea, mas não necessariamente pelos elementos que estão dispostos em cena, mas ao teor que é aplicado à narrativa, tão temerário que não se pode negar que suas escolhas são absolutamente destemperadas. Tão raro acompanhar uma produção que escolhe a marginalidade para se inteirar do seu campo de atuação, que mesmo percebendo a linha tênue entre o bom e o mau gosto, não podemos deixar de apreciar seu desprendimento com o que pode condená-lo. 

Produção polonesa dirigida por Piotr Kumik em sua estreia cinematográfica, Amor em Tempos de Polarização é uma investida em narrativa longa desse autor acostumado a séries de humor mais propícias ao fio da navalha. Como o título faz imaginar, o filme mostra um possível relacionamento entre dois jovens que estão (em tese) de lados políticos opostos. No papel as coisas parecem menos delicadas, e o que vemos na tela é algo bem mais abstrato do que necessariamente um rapaz de direita e uma moça de esquerda; na verdade, ele não é necessariamente uma pessoa de preceitos preconceituosos, mas um tipo que nadou nas circunstâncias. Mas, como já dito, não é essa história per se que se desenrola como algo polêmico, e sim a moldura que Kumik escolhe empregar em sua obra. 

Amor em Tempos de Polarização
Netflix

O gênero escolhido é o humor, e o que vemos são um grupo neonazista apresentado de maneira extremamente cômica, às raias da idiotia. O que aparentemente poderia servir como um manancial de chacota à pessoas que definitivamente são patéticas, pode acabar soando de maneira bem mais grave, se pensarmos que o filme ameniza as ações que são perpetradas no filme. Por mais que vejamos um grupo que se assemelha ao coiote do desenho animado, ou do gato Tom da dupla com Jerry, porque suas ações absolutamente nunca dão certo, Amor em Tempos de Polarização colocar as coisas nesses termos, de enfoque “leve” e uma abordagem inconsequente para decisões que tiram vidas no mundo real, é algo que soa quase sempre inapropriado – e talvez também por isso, engraçado de uma maneira muito politicamente incorreta. 

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O roteiro escrito por Jakub Ruzyllo e Lukasz Sychowicz caminha o tempo todo dentro de uma zona de entendimento doentia do que seus personagens cometem, e que em mãos (e cérebros) menos hábeis, podem desencadear um efeito dominó de culpabilização branda. Independente do que vemos em cena, não podemos colocar o tom que é empregado em Amor em Tempos de Polarização num campo do aceitável, mediante tanto sofrimento que o racismo, a homofobia, o machismo, a xenofobia e tantas outras questões têm enfrentado com o surgimento do radicalismo da extrema direita. Por mais que seja bem escrito, e que o timing de humor do filme seja muito preciso, é preciso analisar essa obra especificamente à sombra de acontecimentos que matam, literalmente. 

Amor em Tempos de Polarização
Netflix

O protagonista Maciej Musialowski volta a assombrar com seu talento, que já tinha sido comprovado em Rede de Ódio, aqui em variação muito inteligente do seu personagem anterior. Staszek é um pós-adolescente com péssimo tráfego de influência, mas que tem discernimento sobre a elasticidade de sua moral. Exatamente por isso, o filme também consegue ir até margens bem arriscadas para o debate, porque nada ali é muito fácil de mostrar nesse personagem. Infelizmente o filme perde um pouco na hora de dosar a presença dos personagens, parecendo ter um desdobramento acidentado na hora de corresponder ações e reações, tendo em vista que tipos somem e reaparecem. Ainda assim, existe um campo muito rígido que o filme não se preocupa em ultrapassar para chegar a pontos bem complexos de observação e discussão. 

Compreendendo os riscos que corre, Amor em Tempos de Polarização ainda é uma peça de importante leitura no hoje, e merece ser mais visto. Kumik e seus roteiristas não têm medo de jogar gasolina – e até ser bem irresponsáveis – com um tema que está aceso e queimando muita gente por onde passa, e o senso crítico deve estar acionado na sessão o tempo todo. Até porque sabemos o tanto de desserviço certas posições podem estar sendo encaminhadas através daqui, quase nos mostrando a todo tempo também o nosso grau de irresponsabilidade a rir de coisas tão adoecidas. No fundo, estamos vendo o tempo todo como, mesmo com as melhores intenções, ainda precisamos melhorar muito como indivíduos.

Um grande momento

O diálogo com os pais

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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