Crítica | Outras metragens

Cavalo Marinho

A experiência do afeto

(Cavalo Marinho , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Léo Tabosa
  • Roteiro: Léo Tabosa
  • Elenco: Divina Valéria, Tuca Andrada, Soia Lira
  • Duração: 22 minutos

Léo Tabosa é um dos mais prolíficos curta metragistas do país hoje, e isso não significa apenas que ele realiza muitos filmes, mas mais do que isso, seus filmes, para a imprensa que cobre festivais, são pautas constantes, porque são selecionados com muita facilidade. Essa não é uma questão que precise ser solucionada por Tabosa (ou porque qualquer análise de quaisquer de seus filmes), mas isso implica em diversos encontros com tais obras. O que nos permite corrigir impressões, ou reforçar outras, que muitas vezes estão na película, ou resgatar nossos próprios comportamentos. Dito isso, um novo encontro com Cavalo Marinho, sua produção mais recente, me faz encontrar um cineasta mais maduro, e um filme acima dos demais. 

O cineasta é pernambucano, e tem uma carreira ligada ao universo LGBTQIAPN+ que não apenas o identifica, mas o torna um dos mais sensíveis realizadores a surgir nos últimos anos. Nos últimos 15 anos, foram 11 filmes, todos em curta metragem, e a maior parte premiada por diversos festivais brasileiros, queer ou não. Tematicamente também uma produção que parece menos urgente, Cavalo Marinho exala uma assertividade acerca do que está falando, vinda diretamente de um cineasta que tem plena consciência de sua universalidade. Soa repetitivo, mas esse é um filme que certamente levou toda a sua carreira para ser feito, e que agora é uma expressão natural de sua arte. 

Mais uma vez trabalhando com a força da natureza chamada Divina Valéria, em Cavalo Marinho seu corpo representa esse corpo da terceira idade que a sociedade não cansa de marginalizar. O segredo que ela esconde é o cerne da narrativa, e ao mesmo tempo uma espécie de ‘mcguffin’ que o filme retém até o limite; parece pouco e simples, mas não é. Cada vez mais comprovando ser uma grande atriz de Cinema, ela encontra em Tuca Andrada e Soia Lira parceiros ideais para contar essa trajetória tortuosa através dos últimos 50 anos, cujo acesso nos é entregue pela resposta do tempo. É como se Tabosa visse em Valéria o passado, o presente e o futuro da presença queer, aquela que não deve mais se calar em nome de uma pretensa moralidade cristã. 

Ainda que as perguntas que o filme suscita não sejam respondidas, Cavalo Marinho não se propõe a tais finalidades. O mais importante é observar as muitas famílias que envelhecem tendo personagens LGBTQIAPN+ em sua formação, podem deixar de percebê-los por uma das muitas subjetividades a que nossa população está eternizada: a ideia de apagamento. Quando a voz queer não é ouvida ou propagada em seus anseios, a tendência é que suas existências não sejam reconhecidas. O que Tabosa propicia é o debate acerca dessa marcação histórica que nos condena ao desaparecimento antes que isso ocorra, porque o tempo assim decidiu que não temos o direito de existir. 

Acima de tudo, é muito bonito ver que a construção narrativa da filmografia de Tabosa tem a ver, essencialmente, com família e afeto, dois elementos essenciais à população excluída sob qualquer aspecto, e justamente a que lhe mais falta nas horas cruciais. Mais uma vez essa é a questão base de uma obra sua, e aqui não apenas a maturidade está presente na imagem (fotografia sempre essencial de Petrus Cariry) e na tradução para o roteiro, como em um olhar que pode não ser, mas que soa como inédito. É uma maneira de lidar com as ausências da forma como elas se apresentam, e efetivamente transformar o futuro sem perder os fios do passado. 

Um grande momento
A foto final 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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