- Gênero: Drama
- Direção: Ben Sombogaart
- Roteiro: Marian Batavier, Paul Ruven
- Elenco: Aiko Beemsterboer, Josephine Arendsen, Roeland Fernhout, Lottie Hellingman, Björn Freiberg, Hans Peterson, Stefan de Walle
- Duração: 103 minutos
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Durante muitos anos a Segunda Guerra Mundial foi um tema indispensável ao cinema no geral, seja qual fosse a nacionalidade (lembram do nosso Olga?), e especificamente um assunto imprescindível quando o assunto era Oscar. Se o Oscar necessariamente não está muito mais ligado no tema – a última incursão direta abraçada por eles foi Filho de Saul? – os motivos me parecem ser mais da ausência de interesse do próprio cinema com o assunto, que vem diminuindo em comparação do que já vimos acontecer. Ainda assim, a história de Anne Frank ainda seduz, fascina e perturba pela quantidade de detalhes, camadas e versões que gerou. A mais nova delas acaba de chegar à Netflix, Anne Frank, Minha Melhor Amiga, que tenta circundar sua personagem e tratar também de quem a cercou, sem perder o canal de acesso.
Produção holandesa dirigida por Ben Sombogaart, indicado ao Oscar de filme internacional há quase 20 anos por Irmãs Gêmeas, o filme é mais um retrato sobre os campos de concentração e a história da menina que viveu por meses escondida em um sótão familiar, mas dessa vez a partir do ponto de vista de Hannah Goslar, que se identifica como a melhor amiga de Anne. Hannah foi mandada junto com o pai e a irmã pequena para um campo de trabalhos forçados e, sem querer, descobre que a conexão com Anne ultrapassou a vizinhança. Rodado com cuidado e elegância, o filme aplaca os fãs do gênero que provavelmente estavam em busca de novos exemplares, ainda que aqui a história seja intercalada em dois tempos distintos, e em duas propostas de análise, com a amizade entre as meninas pautando os acontecimentos.
Trata-se de um mergulho na história e impressões de Hannah, que estava paralela à amiga, mas que teve uma vida diversa, com pais mais repressores, menos liberdade de pensamento, maiores compromissos domésticos e uma propensão a fidelidade além da conta. Seria mais interessante se o filme fosse além do que só pincela e deixasse sua protagonista ainda mais enviesada e refém de uma imaginação prodigiosa em relação ao que a cerca, incluindo a própria amizade. Vez por outra é sugerido que Hannah era mais dedicada a Anne, e o filme perde a chance de tornar essa relação mais tridimensional, dando múltiplos lados de observação e permitindo ao filme uma ambiguidade maior no que tange suas personagens.
Com o quadro apresentado, o filme não consegue (ou abre mão deliberadamente, afinal trata-se de uma heroína mundial) dar a Anne um olhar diferenciado, ainda que essa sugestão seja apresentada. Aqui, se o filme acaba adquirindo uma estrutura típica de um longa de high school americano, com a amizade abalada pela intervenção de meninas mais populares, isso dá a personagem histórica uma camada não apresentada antes, aqui ligeiramente fútil e de caráter em formação, digamos flutuante. Não deixa de ser uma informação nova a respeito de um ídolo que representou a resistência e o triunfo do espírito humano, que poderia estar ainda mais aprofundada aqui, e evidenciando uma dose de humanidade, longe da canonização.
Com uma produção correta e detalhamentos de direção de arte e figurino que tornam o produto mais caprichado, nos levando para o ambiente em questão, o longa também tem cuidado linguístico, por ser falado em holandês e alemão, e cercear suas personagens de vez em quando para longe de seu entendimento. Não se trata de uma superprodução do gênero, mas pra quem já acompanhou tantas narrativas similares, algumas inclusive abordando exatamente essa história, já nos sentimos íntimos de uma história horrorosa acontecida a uma adolescente, aqui também flagrada em um ambiente típico da sua idade, e com isso muito mais humanizada, ainda que o tanto também dê a ela (e também a sua parceira de cena) um grau de afetação que incomoda a quem não se interessa pela idade.
Anne Frank, Minha Melhor Amiga, ao invés de somente louvar a memória de uma jovem que de fato viveu uma história trágica e cruel, também se atém à sua realidade quando se deram os eventos, e com isso transforma sua heroína em uma menina comum, com uma amizade adolescente que poderia ter tido inúmeras vertentes se não fosse a guerra, incluindo o desaparecimento. O horror que as assolou emoldurou para a eternidade uma relação que poderia não ter chego a lugar algum, por ser tão comum e tão descartável, como tantas amizades adolescentes que o cinema já mostrou.
Nota: 2.5
Um grande momento
Anne e Hannah pelo buraco