- Gênero: Comédia
- Direção: Sean Baker
- Roteiro: Sean Baker
- Elenco: Mikey Madison, Mark Eydelshteyn, Yura Borisov, Karren Karagulian, Vache Tovmasyan
- Duração: 139 minutos
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O sonho americano. Logo no começo de Uma Linda Mulher, um homem cruza as ruas gritando: “Bem-vindos a Hollywood! Todos que chegam a Hollywood têm um sonho. Qual é o seu sonho?”. É nesse lugar, mais precisamente na Calçada da Fama, que a personagem de Julia Roberts conhece o de Richard Gere e tem sua vida transformada. Comédia romântica clássica, uma das precursoras na volta do gênero a um lugar de destaque, o longa de Garry Marshall não deixa de ser um dos responsáveis pela manutenção do ideal do amor romântico. Ao mesmo tempo, tem uma outra camada um pouco mais complexa: a narrativa da prosperidade e da ascensão social, com a mocinha sendo “resgatada” pelo príncipe encantado em uma limousine branca, já que um cavalo branco andando por aquelas ruas ia ser demais.
Anora, de Sean Baker, é uma crítica às ilusões disseminadas, tanto a desse sonho de realização pessoal quanto a do amor romântico. Ele não está falando de Uma Linda Mulher, não se trata disso, mas encontra ali uma base interessante. As comédias românticas têm nessa ingenuidade assumida o espaço ideal para o cinismo do mundo. Crítico de uma sociedade que está sempre prometendo e, ao mesmo tempo, excluindo e não permitindo, o cineasta, que além da direção, assina também o roteiro e a montagem, aborda os indivíduos e suas buscas pelo reconhecimento e sucesso. Na produção, Anora é dançarina num clube de strip que faz programas com alguns clientes. Excelente em seu ofício, destaca-se no lugar e, assim, é a escolhida para atender o cliente vip, um mimadinho russo chamado Ivan.
Até certo ponto do filme, não há muita surpresa no desenrolar da trama, mas sim em como construções e noções se estabelecem. É interessante como a abordagem sexual se afasta do julgamento e a protagonista é retratada como alguém que está apenas exercendo sua profissão. Mikey Madison, atriz que vive Anora, se entrega ao papel e compreende onde precisa chegar. Além de todo o trabalho corporal, que vai da dança ao embate, passado pelo sexo; ela transmite a ingenuidade e esperança de alguém que apostou em algo e se agarrou a isso. Não porque a personagem tinha a profissão que tinha, mas porque o capitalismo leva a isso, constrói a discrepância e os abismos, estimula o sentimento de fracasso e cria o desejo de atingir o lugar do outro.
Baker passeia entre décadas de comédias românticas e chega na origem, nas screwballs, com um trio de coadjuvantes espetacular a vagar pela cidade. Por trás da busca dos três e da protagonista, está aquilo que é o verdadeiro motivo de tudo: uma história de poder e de seu funcionamento em cadeia. Até onde o dinheiro verdadeiramente leva e o quanto quem o tem é capaz de esvaziar a vida de quem tem menos, ou não tem. Há a submissão de Toro, chefe dos capangas e a transferência da opressão para seus subalternos. E há, ainda, a humilhação que se promove, com alguns julgando poder tratar alguém assim pelo tanto de dinheiro que têm na conta.
Preocupado com aquilo que há de mais contaminado no ser humano, não existe nem espaço para uma análise moral da prostituição e da relação daquela mulher com o prazer ou com o prórprio ato em seu ambiente profissional. Muitos, porém, buscam – e encontram – alguma forma de moralismo, condenação e esperança de redenção. O que inegavelmente está lá é o modo como Anora enxerga o lugar onde os homens colocam o sexo, e como se relacionam com ele (o que também tem a ver com poder), algo que é falado em mais de uma cena do filme e chega tão melancólicamente no desfecho do filme.
Um grande momento
O abraço no carro