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Antônio Bandeira – O Poeta das Cores

Formas poéticas de existir

(Antônio Bandeira – Poeta das Cores, BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Joe Pimentel
  • Roteiro: Joe Pimentel, Mateus Sá
  • Duração: 120 minutos

“Nunca pinto quadros, tento fazer pintura” – Antônio Bandeira

Essa talvez seja a frase mais célebre do artista visual cearense Antônio Bandeira e aquela que melhor resume a sua arte. Não há limites e determinações para a sua arte. A liberdade é fundamental em sua criação e vai além da imagem criada, está tanto no aproveitamento espacial da tela quanto na diversidade de suportes que Bandeira utilizava, couro, papelão, tela, tela desfiada… Além do físico, não existia qualquer intenção de afiliação a escolas. Embora profundo conhecedor de todas aquelas que marcaram o seu tempo, assim como de todas as outras, preferiu não ter sua arte delimitada e criou suas variações.

Suas identidade e identificação foram definidas em Fortaleza e Paris, cidades que perpassam suas obras em cores e formas, e que se viram encantadas também por sua figura. Em suas telas se nota alguma contradição na percepção da angústia da solidão e a vida sempre marcada por encontros e amizades. Porém, se nota também um outro meio de entender o mundo, que vai além de si mesmo e passa pelo artista que o desconstrói e o recria para que assim seja sentido por outros que estarão diante desta nova percepção.

A arte, as criações e a vida do artista ganham destaque no documentário Antônio Bandeira – O Poeta das Cores, dirigido por Joel Pimentel O filme foi o grande vencedor da última edição do Cine Ceará e estreia nos cinemas amanhã, 10 de abril. A premissa é a busca de seu sobrinho, Francisco Bandeira, por sua história. O longa-metragem percorre seus caminhos trazendo fragmentos em forma de diário, cartas, imagens de arquivo e muitos depoimentos de especialistas. Há uma conjunção de estilos narrativos, com as muitas vozes que se fundem, seja na narração do sobrinho, no resgate das falas de Bandeira e nas cabeças falantes, o que talvez tente se aproximar de algumas obras, mas nem sempre funciona tão bem.

O fato é que a reconstrução da busca, aquilo que seria a atualização da história trazendo-a para o agora, além de individualizar o filme por demais, não funciona. Circundado por uma estrutura protocolar e bem conhecida de documentários, a escolha do sobrinho como dispositivo cria um filme paralelo que não se encaixa, rompendo com o padrão de uma maneira negativa. Sobre padrão, temos algo quase institucional. É uma pena que Pimentel opte por este caminho para falar de alguém que sempre esteve desafiando a forma, mesmo que sem se afastar totalmente do formalismo. Poderia ter arriscado um pouco mais.

Mas o documentário tem um grande trunfo, Antônio Bandeira é uma figura magnética, assim como sua criação, e o filme se sustenta por aquilo que está sendo dito, descoberto e aprendido. Além disso, embora a grandiosidade de Bandeira seja reconhecida e ele seja o maior nome do abstrato poético no país, sua obra nunca foi tão (re)conhecida quanto deveria pelos brasileiros que estão fora do circuito.

Além da realidade classista no Brasil que gera e mantém uma persistente ausência do público dos museus, mesmo em uma perspectiva de acesso já elitista, muitas das peças de Bandeira estão restritas a acervos particulares, em posse das famílias brasileiras triplo A e a grandes colecionadores. Assim, foram poucos os que tiveram a chance de ver suas obras, a menos que tenham conseguido ir a alguma mostra específica. Essa, portanto, é uma oportunidade de conhecer todas as fases, pelo menos com a reprodução em tela grande de muitas dessas criações, inclusive algumas das mais importantes delas, como “Paisagem em Azul”, “Amazonas Guerreando” e tantas outras.

Tendo ali o modo como ele próprio se compreendia e percebia sua vida; o modo como os outros o enxergavam e interpretavam sua obra; não há forma melhor de conhecer o pintor, do que olhar e sentir suas composições. Aqui ouvindo detalhes sobre a relação do artista com as cores, formas e espaços; assim como percepções que vão além das que são pessoais. Além de estudiosos, curadores e outros artistas plásticos, amigos próximos e artistas de outras áreas que se viram influenciados por ele também participam do filme.

Mesmo tradicional na forma, a conjunção de vozes de Antônio Bandeira – O Poeta das Cores cria uma maneira diferente de conhecer o artista e suas cores e o modo como ele construiu um universo particular com aquilo que moldou sua existência, seja em sua terra natal ou no lugar onde teve contato com os clássicos da pintura e veio a falecer prematuramente. Alguém que viveu da arte e encontrou um novo jeito de se expressar através da imagem. Como diz o cineasta Walter Carvalho, um dos entrevistados do filme, alguém cuja obra precisa ser conhecida por todos aqueles que se dedicam a alguma atividade artística. Indo além, por todos. Porque em suas imagens estão Fortaleza, o Brasil, o mundo, o universo. Está, poeticamente, o sentimento humano diante tudo isso.

“É interessante, a memória dessa obra para outras gerações […] A memória não como a memória da lembrança, mas a memória viva, e a memória viva é aquela em que você traz o artista para dentro da convivência contemporânea. É como se ele não morresse”. – Walter Carvalho 

O filme estreia na próxima quinta-feira, 10 de abril

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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1 Comentário
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Cido
Cido
11/04/2025 12:09

Achei que fosse o ator espanhol,estava viajando aqui achando que ele era brasileiro e só eu que não sabia, rs

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