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Os Colonos

História reescrita

(Los Colonos , CHI, ARG, RUN, ALE, SUE, FRA, DIN, TAI, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura, Drama
  • Direção: Felipe Gálvez Haberle
  • Roteiro: Felipe Gálvez Haberle, Antonia Giradi, Mariano Llinás
  • Elenco: Camilo Arancibia, Mark Stanley, Alfredo Castro, Mishell Guaña, Benjamin Westfall, Sam Spruell, Mariano Llinás, Marcelo Alonso, Adriana Stuven
  • Duração: 96 minutos

Houve um período, ali pelo início dos anos 90, onde o sucesso de longas como Os Imperdoáveis e Dança com Lobos nos deram a certeza de que um dos gêneros de maior aceitação criado dentro dos Estados Unidos estava voltando com força total. O faroeste e sua indústria, que movera milhões de dólares na cultura estadunidense, agora viria em uma fase de ouro, que motivaram os igualmente noventistas Tombstone, Quatro Mulheres e um Destino, Rápida e Mortal, Wyatt Earp e tantos outros. A febre do revisionismo, que também promovia a inclusão de grupos sub representados dentro de uma nova pauta, durou menos do que o suficiente para firmar mais uma vez o faroeste entre nós. Candidato do Chile ao Oscar de filme internacional, Os Colonos chega em perfeito momento onde mais uma vez o gênero floresce, e ao lado de Assassinos da Lua das Flores, resgata a história de um povo. 

Os citados são exatamente os originários da terra, que mais uma vez através desses dois filmes, vem mostrar sua voz ao mundo, clamando por justiça histórica mas principalmente por reposicionamento. Felipe Gálvez Haberle estreia na direção depois de montar, entre outros, O Grande Movimento, e revela assim uma das mais espetaculares ‘primeira vez’ do Cinema. É com muita atenção que acompanhamos a ideia do diretor, que sem qualquer modéstia tenta agrupar em um microcosmos particular tantas das questões dos países que foram mal colonizados, explorados em sua essência e transformados em categoria inferior pela maneira como foram categorizados. A abordagem empregada aqui é a da violência que varreu a América do Sul em todos os movimentos de tentativa de liberdade. 

Diferente do longa de Martin Scorsese, Os Colonos acompanha um grupo de exploradores que não está assentado, mas sim busca por novos lugares de dominação territorial. Como todos os atos de violência históricos, tais personagens foram designados para estar nesse lugar graças ao poder, que os obriga a avançar na tomada de pontos estratégicos do país, e impede seus reais donos de crescer. Com essa narrativa, que parece querer abarcar todas as possibilidades de discussão; o mais assustador é notar que isso é um problema resolvido na produção, porque tudo se encadeia perfeitamente em cena. Em duração muito enxuta, o filme acompanha a jornada de sobrevivência de Segundo, um mestiço que se torna atirador do grupo de exploradores brancos em terras que pertencem a um dos povos que constitui sua identidade. 

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Dividida em capítulos, a narrativa de Os Colonos propicia uma acertada visão sobre o campo macro do que está sendo gestado ali. São escolhas de centrar essa visão em mais de um personagem, que é dissecado a cada nova esquina de situação. Ao mesmo tempo, todos os capítulos também estão na zona de promover um entendimento maior entre seus tipos, para que cada visão seja amplificada para que possamos compreender na totalidade os fatos. Embora seja um protagonista, Segundo está na distribuição dos tempos, para revelar muito mais do que sua história individual, mas sim para contribuir que todas as tentativas de compreender a visão política sobre o que estava acontecendo no Chile em tais datas, dentro das profundezas da História. 

De visual acachapante, a fotografia de Simone D’Arcangelo é um acontecimento à parte, quase mais um personagem do filme. Ela explora geograficamente tudo o que está sendo contado imageticamente, e sua luz é a prova de que muito pode ser feito fora da zona de reconhecimento do que é um grande pilar da cinematografia (pela cabeça de muitos, essa mensagem). Contribui para esse arrebatamento pelo qual passa o espectador uma concisão profunda a respeito do que está sendo contado aqui, onde o roteiro escrito a seis mãos se mostra conhecedor breve do que cada um em cena representa para a história da independência do Chile. São imagens que dificilmente sairão facilmente da memória e a culpa disso também é do roteiro de Os Colonos, que é tão servidor de diálogos que acertam em reconstruir a imagem de cada um do elenco.

O tratamento coletivo ao que se vê é de que sim, uma parte da História nunca antes apontada, precisa ser reescrita, nem que seja pelo cinema, que promove uma catarse ao ressignificar a existência indígena. Com ferocidade estratégica, Os Colonos promove a elevação de uma personagem que se equivale aqui à Mollie feita por Lily Gladstone em Assassinos da Lua das Flores, ao narrar uma trajetória que parece subserviente para revelar-se cada vez mais senhora de suas decisões. Ao promover a existência de Kiepja a um ser que muda tudo que se pensa em uma atmosfera, e também redefine a própria, o diretor e toda sua equipe têm consciência de que estão criando um ícone, que é outorgado no plano final, ao explodir o rosto da personagem de maneira frontal. Inesquecível. 

Um grande momento

O diálogo entre José Menéndez e Vicuña

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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