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@Arthur.Rambo: Ódio nas Redes

A outra história argelina

(Arthur Rambo, FRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Laurent Cantet
  • Roteiro: Fanny Burdino, Laurent Cantet, Samuel Doux
  • Elenco: Rabah Nait Oufella, Bilel Chegrani, Malika Zerrouki, Sofian Khammes, Sarah Henochsberg, Antoine Reinartz, Julien Villain, Anne Alvaro
  • Duração: 87 minutos

Existe uma injusta cobrança em relação à carreira do Laurent Cantet não ter seguido a expectativa do que a maioria das pessoas teria compreendido que seria. Vencedor da Palma de Ouro há 15 anos atrás com Entre os Muros da Escola, o diretor francês não chegou a ser criticado por tal feito; sua vitória é considerada justa. Com escolhas que mostrariam que não estava interessado em traçar uma linha óbvia em sua compreensão a respeito da própria obra, ele não se empenhou em criar uma filmografia extensa, mas sim em ser coerente com toda ela. Nesse sentido, @Arthur.Rambo: Ódio nas Redes é um exemplar que em nada desfigura suas escolhas anteriores, inclusive à consagração em Cannes. Com um interesse genuíno em observar uma geração já inserida na virtualidade desde o berço, o cineasta tem algumas pistas a respeito do estado das coisas. 

Karim D. é um escritor emergente nascido das redes sociais. Politicamente engajado, o imigrante argelino é de uma fatia onde o posicionamento a respeito de qualquer coisa acontecida no mundo é exigida pelo twitter. Ele criou assim um canal de sucesso onde reivindica um lugar no mundo, e ele acaba de lançar um livro que é um sucesso arrebatador e instantâneo, um retrato comovente a respeito da própria mãe. Karim é, no fundo, um jovem adulto como tantos outros; nem a adolescência e nem a idade adulta estão tão distantes assim, ambas ainda é conseguido tocar, de tão perto. Ao mesmo tempo, uma maturidade já adquirida o faz ter consciência do estrago que causou a si mesmo através de seu passado, a consciência só talvez não tenha chego para descobrir quem de fato é Karim… e quem é Arthur Rambo. 

@Arthur.Rambo - Ódio nas Redes
@Arthur.Rambo – Ódio nas Redes

Mesmo quando “pegou mais leve” e foi agraciado com o prêmio máximo do maior festival europeu, Cantet esteve próximo de um caráter provocativo, onde a coragem de escrutinar o mais íntimo de seus recortes sociais poderiam ter lhe causado certo mau estar coletivos. Pois uma característica forte sua, enquanto cronista, é a de não ter insegurança em relação ao poder da própria voz, a respeito do que estivesse investigando. É muito fácil acusar o filme de um posicionamento infeliz, de maneira rasa em relação ao que Cantet denuncia, e ele tem essa ciência; o letreiro final da produção, que indica não coadunar com nada do que é dito, pensado ou realizado por ser seus personagens, não é vão. O vespeiro que resolveu atiçar dessa vez, além de ser inspirado por eventos reais, é muito próximo a uma realidade do qual estamos testemunhando nesse exato momento. 

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Não cabe posicionar uma seta fascista na direção de @Arthur.Rambo, quando o filme colabora para iniciar um processo de discussão onde várias camadas são efetivamente ouvidas, e onde uma única pessoa é apontada. Sabiamente, o filme não o julga, mas o coloca no banco dos réus; alguém minimamente sensato percebe que todas as frases ditas por todos personagens podem (e eventualmente são, variando de espectador a espectador) abrir uma análise por parte de quem ouve. Não há julgamentos de roteiro ou de direção, mas há a crueza de colocar-se diante de questões muito mais complexas do que um tweet leviano gostaria de lidar. Nem o crítico se posiciona como juiz das ações e verbalizações de qualquer personagem da produção, mas impressiona a riqueza da discussão proposta a respeito de parte tão integrante da nossa rotina – o julgamento é real, e quase inevitável. 

@Arthur.Rambo - Ódio nas Redes
Divulgação

Passando ao largo de julgar Karim/Arthur, e colocar na balança quem é o quê na frente dos nossos olhos, Cantet – provavelmente sem saber – acessa de uma só vez dois sucessos da carreira de Edward Norton. @Arthur.Rambo caminha como se fora um desdobramento contemporâneo de A Outra História Americana, até que percebemos que há um filete de As Duas Faces de um Crime em pauta. Para além de um trabalho de conscientização do que suas ações promoveram num passado não tão longínquo e do desespero de tentar impedir uma propagação que se impõe na sua cara, o protagonista precisa acordar e perceber de quem se trata exactamente o sujeito apontado da noite pro dia como um vilão, ou seja, ele é mesmo ele, ou dentro dele se esconde alguém que foi subestimado? Sem paternalismo, e sendo muito sério no que tenta analisar, Cantet não humaniza monstros, mas percebe que a criação de uns tantos se valem de muitas variáveis, que não apenas o “nascimento do mais profundo e irrefreável mal”. 

Não é o caso de apontar saídas fáceis para problemas enraizados; nada é fácil, sequer no filme é, no mundo muito menos. Talvez aproximar-se do cerne da questão seja eficiente e sensato, ao invés de apenas procurar simples culpados. @Arthur.Rambo não consegue encampar sua coragem até a derradeira cena, muito vaga e suspensa para ser considerada aberta; faltou mesmo propriedade para compreender até onde poderíamos ainda chegar em torno da discussão a respeito de julgamento virtual, a efemeridade dos grandes problemas humanos no hoje, o crescimento da extrema direita e o papel da politização em tempos de internet. O filme não enviesa sua metralhadora giratória – todos levam tiros. O problema é que faltam ao menos mostrar a gama de enfrentamentos para finalizar a saraivada, ainda que saibamos que nada disso termina; é um moto perpétuo que às vezes o tempo leva, e às vezes não. 

@Arthur.Rambo - Ódio nas Redes
@Arthur.Rambo – Ódio nas Redes

O elenco agigantado tem papel crucial, ao menos na primeira parte, para dramaticamente criar complexidade em dividir as opiniões em tão pouco tempo a respeito de algo, indo do máximo em efusividade até o mais completo horror, em minutos; todos estão uniformes em excelência. É nas costas e no olhar de Nabah Rait Oufella que @Arthur.Rambo funcionará, porque partirá de seu caminhar, literal e emocional, as curvas para uma desconstrução em plena construção. É ouvir o que escapa de seu semblante para que entendamos que é muito mais fácil condenar alguém já na rota da condenação, exatamente por ter nascido quem se é. Tanto “no topo do mundo”, quanto “mais baixo que o chão”, Karim tem a seu favor a qualidade do trabalho de Oufella, que fornece ao espectador a mesma estupefação que ele próprio descobre ao possivelmente descobrir que não sabe muito a seu respeito.

Com uma inteligente textura em acompanhar a ascensão e queda supersônica de um homem que nunca deixará de ser marginal, Cantet move o espectador da alta sociedade francesa repleta de uma opulência que não está explícita mas que é absurdamente sentida, até às origens de um protagonista que não consegue fazer a transição, porque suas raízes são marcas indeléveis. A queda representa também isso, é mais um traço de complexidade de @Arthur.Rambo: o lugar oferecido à Karim é uma passagem de ida mas sem jamais desconsiderar a volta, ela acontecerá mais cedo ou mais tarde. Um filme que sabe da controvérsia de seu lugar, e que a cada nova cena insiste em cutucar cada vez mais profundamente o espectador em busca de respostas que ninguém quer dar. 

Um grande momento
A segunda entrevista 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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