- Gênero: Drama
- Direção: Alanna Brown
- Roteiro: Alanna Brown
- Elenco: Eliane Umuhire, Bola Koleosho, Charmaine Bingwa, Ella Cannon, Tongayi Chirisa, Evan Alex
- Duração: 97 minutos
-
Veja online:
Após a surpresa positiva que foi encontrar ‘Silverton’ como um dos destaques da Netflix em abril, é chegada um novo filme sul-africano à plataforma tão impressionante quanto. ‘Árvores da Paz’ já é um merecido sucesso inspirado em eventos acontecidos durante um genocídio real, em Ruanda em 1994. A guerra civil entre os povos Hutu e Tutsi, que gerou mais de 1 milhão de mortos, é o cenário para a história mostrada aqui, que além do que é absolutamente chocante nos fatos, o filme é uma realização invejável pelo que representa enquanto acabamento narrativo e contribuição estética a uma premissa de desenvolvimento complexo. Por tudo o que o filme poderia facilmente ter sucumbido em ritmo, o resultado aqui alcançado deveria funcionar como aula de escaleta de roteiro.
Escrito e dirigido por Alanna Brown, o filme ganhou todos os festivais em que concorreu, e isso não é um atestado apenas de sua carga dramática elevada. Apesar de ser sua estreia nas duas funções, Brown já passeia pelo cinema como atriz há algum tempo, mas seu encontro aqui é de profunda inspiração. A partir do momento em que compreendemos que todo o roteiro será desenvolvido entre literalmente quatro paredes, em enclausuramento, atire a primeira pedra quem não se arrepiou com as possibilidades de tudo desandar, ou tornar-se profundamente enfadonho. Ao contrário disso, o filme se desenvolve com muita expressão artística e um conhecimento de edição que banca essa premissa, mesmo com o máximo de contras em sua ideia inicial. Essa impressão negativa (se é que há alguma) é desfeita com poucos momentos da produção.
Gabriel Fleming (colaborador habitual de um burocrata como Peter Berg) e Kiran Pallegadda os responsáveis por uma montagem tão desconcertante por nos conectar facilmente a uma história inteiramente passada dentro de um cubículo/cela. Suas quatro personagens principais travarão conflitos inescapáveis que se transformarão em um jogo de nervos em camadas, cada qual com suas verdades e certezas. Trata-se de um exemplar preciso de como uma produção é refém do que é construído por um profissional competente em sua edição. Pronto para não se desenvolver, ‘Árvores da Paz’ deve ser o filme mais ágil a ser desenvolvido em espaço tão exíguo, explorando essa exata precisão técnica; qualquer outro título não conseguiria sequer a atenção do espectador.
Essa categoria técnica impressa na produção não se encerra na montagem, porque a fotografia de Michael Rizzi também desempenha caráter definidor em seus intentos, redefinir um espaço muito reduzido a um quinto personagem em cena. O porão para estoque de comida onde as protagonistas vivem durante três meses em fuga do massacre ele tinha que refletir esse encarceramento e ao mesmo tempo em que isso serviria para cercear as personagens, não poderia restringir o interesse do espectador. Ou seja, outra dinâmica complexa que o filme realiza com destreza, exibindo uma espécie de portfólio de seus profissionais, mas nunca parecendo desintegrado à narrativa. Para que cada uma dessas características sejam tão bem acabadas, acima delas vêm uma moldura que permite e incentiva esse apuro.
Em um filme que anseia pela compra de sua narrativa pelo público de maneira emocional, era óbvio que esse quarteto deveria ter camadas de entendimento. A princípio arredio, posteriormente descambando para o conflito em suas muitas configurações, para enfim desaguar em encontro de sensibilidades e sororidade, as quatro atrizes estão em perfeita sintonia e execução. Eliane Umuhire, Bola Koleosho, Charmaine Bingwa e Ella Cannon brilham com humildade, entendendo que o espaço de todas é o que também faz cada uma se destacar individualmente. Vem delas não somente a emoção que encontra uma variação muito interessante de ser trabalhada, como muitas possibilidades de demonstrar suas forças interiores, onde cada uma corresponde em igual intensidade.
‘Árvores da Paz’ é um daqueles casos onde a crítica mais acadêmica não encontrará muitos elementos de onde extrair reflexão, por ter uma proposta muito direta, quase podendo ser chamado de ‘cinema de gênero’, tamanha é a sua entrega pelo melodrama em determinados momentos. Mas quando esse tipo de motivação é acessado com tanta veemência, com tanto desvelo, o espaço para o cinema clássico-narrativo se mostra o caminho adequado para contar essa história. Sem qualquer vergonha, Brown assina uma história de acesso popular, e o realiza com uma urgência e uma assertividade raras em diretores em sua posição de estreante.
Um grande momento
“A multa de hoje é a bola”