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As Mil e Uma Noites: Volume 3 – O Encantado

(As Mil e Uma Noites: Volume 3 – O Encantado, POR/FRA/ALE/CHE, 2015)

Drama
Direção: Miguel Gomes
Elenco: Crista Alfaiate, Bernardo Alves, Bernardo Alves, Carloto Cotta, Jing Jing Guo, Américo Silva, Gonçalo Waddington
Roteiro: Miguel Gomes, Telmo Churro, Mariana Ricardo
Duração: 125 min.
Nota: 7 ★★★★★★★☆☆☆

Mais uma vez voltamos à crise portuguesa transformada em fábula por Miguel Gomes, dessa vez com seu As Mil e uma Noites: Volume 3 – O Encantado. Diferente dos outros volumes, aqui nos voltamos para o lado mais resistente, que não desiste e que está sempre buscando razões para se sentir bem da população.

Como das outras vezes, apesar de uma pequena trapaceada no meio do caminho, o diretor divide seu filme em três episódios: Xerazade, O Inebriante Canto dos Tentilhões e Floresta Quente.

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Em Xerazade, finalmente conhecemos aquela que vem contando as histórias em toda a trilogia. Cansada e sem inspiração, a esposa do sultão decide desistir de sua tentativa de não ser morta. Ela escreve uma carta despedindo-se do pai e resolve ter um dia longe do palácio para ver ao menos um pouco de tudo que ela não conheceu enquanto esteve confinada.

Dessa vez sem narração, acompanhamos sua jornada desbravadora, onde revela seus sonhos e frustrações e conhece várias pessoas diferentes, entre bandidos e atletas fazedores de filhos. Como nós, todos se encantam com a beleza da moça.

O episódio mostra uma faceta diferente daquela que vemos nos outros dois volumes da trilogia. Há ainda a inquietude e a desolação, mas há também um jeito alegre de sobreviver, aqui deliciosamente embalado pelo som de Novos Baianos.

Em O Inebriante Canto dos Tentilhões conhecemos uma outra distração do povo, principalmente que reside naqueles complexos habitacionais que conhecemos em Os Donos de Dixie, no Volume 2: a criação de tentilhões, passarinhos que cantam até morrer e participam de competições para saber que ave consegue completar mais vezes as três etapas do canto. Misturando documentário e ficção somos apresentados a todas as etapas de criação dos passarinhos. Desde o princípio histórico das capturas, passando pelo treinamento e chegando às competições.

Maçante em seu desenrolar, o episódio está perfeitamente adequado à falta de criatividade e vontade de Xerazade em continuar contando suas histórias ao sultão. Interrupções prematuras, muitas repetições e poucos acontecimentos interessantes recheiam a história, que chega a ser interrompida para ser continuada depois.

Floresta Quente é a história que invade o conto dos passarinheiros. Nela, uma imigrante chinesa engravida de um policial português e conta a sua história por meio de uma carta. Embora vejamos a destinatária, durante quase toda sua narração dos fatos, acompanhamos uma grande manifestação popular.

É em As Mil e Uma Noites: Volume 3 – O Encantado que Miguel Gomes faz a melhor inversão na narração de toda a trilogia, que está sempre brincando com isso. Aqui o diretor estabelece um jogo de falar o que não se vê e ver o que não se fala, de o que está sendo visto interferir no que está sendo contado – a ponto inclusive de finalizar um dia de contos – e o que está sendo contado interferir no que está sendo visto. O exercício, por mais que esteja inserido em uma história cansativa, é interessantíssimo.

Analisando o conjunto da trilogia, Miguel Gomes consegue superar os problemas de ritmo, com momentos inspirados e histórias interessantes, que conseguem transformar em fábula acontecimentos muito negativos e carregados de tristeza.

Embora os dois primeiros volumes sejam mais atrativos do que o último, é nele que Gomes exerce com mais liberdade seus exercícios narrativos e que presta sua maior homenagem a seu povo, que, apesar de tudo pelo que passa, traz alegria, carinho e até mesmo um patriotismo encantadores.

No final das contas, o diretor portugues conseguiu fazer aquilo que o atormentava no primeiro volume da trilogia: um filme bonito e alegre, mas ao mesmo tempo militante e que expusesse a situação de Portugal. E, sim, o conjunto da obra é belo, mesmo com a situação miserável do país naquele momento.

Um Grande Momento:
Perfídia.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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