Crítica | CinemaDestaque

Assassino por Acaso

Jogo de espiões

(Hit Man , EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia, Romance, Policial
  • Direção: Richard Linklater
  • Roteiro: Richard Linklater, Glen Powell
  • Elenco: Glen Powell, Adria Arjona, Austin Amelio, Retta, Sanjay Rao, Molly Bernard, Evan Holtzman, Gralen Bryant Banks
  • Duração: 111 minutos

Nem mesmo quando tenta fazer um filmes despretensioso e de um descompromisso com a densidade à toda prova, Richard Linklater escapa de mostrar o quanto é excelente contador de histórias, sejam elas embaladas de maneira esteticamente classuda ou não. Assassino por Acaso é a prova de que ele não precisa mais provar nada a ninguém, ao passo que também não consegue mais realizar algo de qualidade irrelevante. Seu olhar para o que está sendo contado, e principalmente para quem está contando, é uma porta de entrada para um universo muito particular de ordem cinematográfica. Mais uma vez a máxima é colocada: não é sobre o que se conta, mas exatamente a forma como é contado. 

Linklater e seu protagonista, Glen Powell, tem uma parceria firmada há muitos filmes, que é colocada à prova aqui, um projeto acalentado por ambos, mas que funciona como uma escada para o surgimento de um ator que vai além de uma tentativa de astro. Essa é uma didática interessante até, porque Powell não é exatamente um astro – ou ao menos não ainda, ou se o é, acabou de chegar a algum lugar. Sim, Todos Menos Você foi um sucesso de bilheteria global imenso, mas ele praticamente chegou agora a algum posto reconhecível e isso só torna seus esforços de Assassino por Acaso ainda mais estimulantes. Porque com muita evidência Powell pretende não se vender como um galã horizontal, e o que ele realiza aqui é mais do que uma prova de tais intenções. 

Paralelo ao que seu protagonista realiza, Linklater e uma outra encarnação de Powell, já que ele também é roteirista do projeto, encampam um jogo que pareceria fácil de ser jogado, mas que provoca algumas fagulhas em quem o assiste, por seu risco. Ele se faria presente pela facilidade de arregimentar tais elementos de uma maneira que tudo o que estamos assistindo parecesse simples, e até mais padronizado dentro de uma estrutura de leveza solar, mas toda a estrutura de Assassino por Acaso se complexifica à medida que o plano de seus personagens começam a enfrentar entraves. São situações pouco ortodoxas em meio a um campo já explorado, mas sem as nuances daqui e sem a verve que esse roteiro está servindo sem cerimônia. 

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A cada novo movimento do filme, ele nos serve tanto como algo confortável, quanto uma nova camada que se intercala ao que está sendo construído, quase simultaneamente. O resultado é uma produção que se ancora em curvas conhecidas, mas cujo delineamento é um pouco menos explorado anteriormente. Ainda assim, não podemos esperar desse Assassino por Acaso um caminho original (e a dita originalidade é superestimada, viu?), e está tudo bem; no lugar dessa falsa obrigação, temos um olhar mais humano para o casal central do filme e os personagens que os rodeiam. Parece pouco, mas assistindo ao seu desenvolvimento, fica claro o quanto de refrescante é empregado em cena, que conta com o apoio principal de seu protagonista. 

Em cena, Powell revigora um gênero que não nasceu recentemente (a comédia romântica de espionagem), mas que é revisitado de tempos em tempos. Seu personagem é inspirado em eventos reais, e fornece a ele material suficiente para que existam poucas dúvidas em relação ao seu trabalho, ou que haja qualquer desdém acerca de seu nome daqui pra frente. Não é exagero colocar a sua performance entre as mais competentes de 2024, porque está em suas mãos não apenas a oportunidade de se transformar em vários durante o processo – e sempre fornecer identidade e personalidade a seus tipos, por menor tempo de cena que tenham – como também de mostrar um arsenal inacreditável em torno dos seus dois “personagens principais”. É uma criação cheia de dinamismo, e que mostra um ator preparado para quantos desafios vierem. 

Ao lado de Adria Arjona, com quem tem química abundante, Powell notabiliza um dos casais mais carismáticos dos últimos tempos, e não seria qualquer exagero desejar ver mais dessa dupla no futuro. Também ela uma personagem em transformação, fica pouco a dever em matéria de entrega e qualificação. Trata-se de um acerto tão óbvio, que não se trata de uma consagração inesperada ou injusta. Assassino por Acaso avança muito bem na seara que pertence, fornecendo um produto que vai além do pop para encantar, mas sem renegar suas tensões nessa direção. Não é raro que o diretor de Boyhood enverede por caminhos populares, e assim como em Escola de Rock, ele mostra que o público mais amplo não precisa ser presenteado com irrelevância. 

Um grande momento
O jogo fake do casal em áudio

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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