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Ausente

Com a estrelinha no caderno

(Ausente , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Ana Carolina Soares
  • Roteiro: Ana Carolina Soares
  • Duração: 150 minutos

Ausente parte do mesmo princípio para condensar-se ao mesmo fim: a escola estadual Alaíde Lisboa de Oliveira é inundada por uma chuva torrencial de verão. A maneira como tais eventos são filmados não apenas abrem e fecham o filme, mas definem o que iremos assistir a partir dos próximos 150 minutos, e como deixaremos tal cenário após esse longo encontro. Longo? Sim. Mas é bom rasgar a comunicação com o leitor para sintonizar nessa frequência – um documentário com duas horas e meia de duração sobre a rotina funcional de uma escola pública. O ‘mea culpa’ mais do que necessário acontece quando chegamos a conclusão de que a montagem do material prova a competência de Ana Carolina Soares, sua realizadora e montadora (ao lado de Carlos Henrique Roscoe). 

Diretora de ao menos uma pérola curta do nosso cinema, Estado Itinerante, Soares estreia na direção de longas com seu radical oposto. Uma obra que sugere, na abertura, que sucumbirá à contemplação, mas que não demora a se mostrar antônimo a isso. Um dos maiores fascínios de Ausente é perceber o nosso interesse quase masoquista em acompanhar um ano muito difícil no ensino público brasileiro, com o triplo dos problemas costumeiros agravados pelo momento pós-pandêmico. A diretora nos captura de maneira inequívoca ao adentrar cada setor do funcionamento de um universo como esse, em um processo desgastante como os vistos, no meio de uma ressurreição coletiva, onde existe a necessidade de uma readequação e compreensão de parte a parte. 

Particularmente, me vi tragado (e amplamente interessado) por cada setor com o qual a autora divide seu cenário-prisão. Não creio que isso aconteça exclusivamente porque tenho uma conexão particular com o campo do ensino, mas porque Soares, como já percebido em sua malha de curtas, é excepcional em construir material sedutor em torno do que o resto da humanidade observa como algo banal. Seja pela forma inusitada com que filma, ou pelo aspecto narrativo que aplica, quase transformando em ficção personagens cheios de carisma e entrega, Ausente é uma peça quase redentora para os envolvidos, nos fazendo ter olhar empático para cada um. Não basta ter o recorte acertado para tal, mas precisa entender esse entorno e construir conexão mútua entre quem lê e quem conta. 

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Um dos sucessos de Ausente pode ser definido pela sua divisão em blocos temáticos, porque vai além de uma estrutura enclausurante, avançando nesse aspecto e propondo recortes específicos ali. As estações do ano desdobram o tempo físico, nos colocando dentro das pautas temporais de cada período escolar, ajudando o espectador a situar o campo de ação. Mas não é somente esse modelo, e principalmente o que encerra cada cenário do universo. Temos a sala de aula especificamente, o conselho de classe, a movimentação da cantina, o encontro com os pais, a dinâmica de seus professores, as especificidades de alunos com suas demandas singulares. Aos poucos, criou-se uma teia interligada que movimenta um mesmo organismo. 

A estrutura que é preparada pelo filme, que filma os mesmos ambientes sempre de um ângulo novo, transforma o ambiente escolar como um todo, e aquela escola específica de maneira surpreendente, deixando sempre um campo aberto para novas explorações de espaço cênico. Isso dentro de uma ideia de documentário, onde nenhum personagem parece seguir um padrão (vide a adolescente grávida que o filme “segue”, sem ter qualquer coisa a ver com outras já mostradas), e Ausente vai perdendo suas definições documentais para ganhar uma força dramática muito particular. Não demora nada, e estamos não apenas imersos, por exemplo, na quantidade de demandas que a vice-diretora Daniela apresenta durante o filme. 

Não é apenas um filme envolvente e cheio de infinitos lados possíveis, como um jogo de apreensão do espaço muito convincente, onde tudo parece ganhar vida a cada novo bloco de eventos, nenhum parecendo mais importante e vital que o anterior, e vice versa. Se a duração parece excessiva, nossa doação a Ausente, nosso desvelo com o material tratado com igual carinho por Soares, é a matéria original da forma como abordar um produto, em tese, documental. E de como desconstruí-lo até alcançar a sedução típica das melhores narrativas, cheia de ação, suspense, drama, comédia, ternura e arrebatamento. 

Um grande momento

O conselho de classe

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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