Crítica | CinemaDestaque

Os Enforcados

O que sobe à cabeça

(Os Enforcados, BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Fernando Coimbra
  • Roteiro: Juliana Soares, Fernando Coimbra
  • Elenco: Leandra Leal, Irandhir Santos, Irene Ravache, Stepan Nercessian, Gustavo Arthidoro, Thiago Thomé, Augusto Madeira
  • Duração: 123 minutos

Quem já assistiu à série da Globoplay Vale o Escrito talvez se divirta um pouco mais em Os Enforcados, embora haja graça pra todo mundo. Fernando Coimbra mergulha no universo do jogo do bicho, do carnaval e das disputas internas do crime organizado no Rio de Janeiro, mas escolhe fazer isso com um pé firme na sátira. O filme se move entre o thriller e a comédia sombria, expondo tanto a sedução do poder quanto o ridículo das ambições que ele alimenta.

Regina e Valério vivem confortavelmente na Barra da Tijuca, sustentados pela estrutura criminosa construída pelo tio e pelo pai dele. Quando as dívidas começam a a ameaçar essa vida, surge o plano de eliminar o tio e assumir os negócios. O que parece simples e calculado, logo se transforma numa espiral caótica, onde cada passo aproxima o casal da violência que eles acreditavam saber e poder controlar.

Os Enforcados explora essa relação de forma quase teatral, construindo um jogo de cumplicidade e traição que se alimenta mais da ambição do que de qualquer afeto real. Leandra Leal entrega uma Regina que alterna manipulação e fragilidade, enquanto Irandhir Santos dá vida a um Valério que tenta sustentar a imagem de autoridade, mas deixa transparecer a insegurança e a paranoia. A química entre eles é tensa, feita de silêncios e olhares que revelam muito mais do que as palavras, que não são poucas.

Surgindo pontualmente, em contraponto, Irene Ravache chega como uma presença afiada, se expressando através do sarcasmo e da ironia. Cada fala da personagem vem carregada de um humor cortante que desmonta a tensão e expõe o ridículo de certas situações. Sua presença dá força à mensagem de relações que se constroem por interesses e disputas perigosas.

A fotografia mantém a luz controlada e acompanha os personagens de forma próxima, privilegiando suas reações mais do que o cenário. A direção de arte evidencia a vida confortável de Regina e Valério, mas deixa escapar sinais de desgaste. O ritmo alterna entre momentos de calma controlada e explosões de caos, criando um contraste que sustenta o interesse mesmo quando a trama tende ao exagero.

O crime em si importa menos do que o teatro de poder que o envolve. Não é a ascensão ou queda do casal que leva a narrativa, é o jogo de ganância e cobiça. Sem romantização, o que fica de Os Enforcados é a constatação de que, em qualquer território, o poder nunca é estável e a queda sempre é questão de tempo.

Um grande momento
Conselho de mãe

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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