A verdade é ameaça quando o silêncio é lei. Em A Testemunha, Tarlan, uma professora de dança, vê a amiga ser assassinada pelo próprio marido, um alto funcionário do governo. A denúncia, porém, encontra a seguinte realidade: a polícia se recusa a investigar casos assim. Ou seja, estamos diante de um sistema que protege o agressor, o que impõe à protagonista o peso de escolher entre se calar ou enfrentar.
O que começa como ato de coragem rapidamente se transforma em luta pela sobrevivência. Tarlan não é apenas testemunha de um crime, mas de um mecanismo de poder que normaliza a impunidade. As ameaças são diretas, o cerco é constante e a solidão de sua jornada expõe o custo de se opor a uma estrutura onde a verdade pode ser um inconveniente.
É preciso pensar em contexto. No Irã, o feminicídio não é apenas crime contra uma mulher, é a face mais brutal de uma cultura que naturaliza o controle masculino. Além da morte da mulher e da perseguição à testemunha, Saeivar insere essa violência no cotidiano com a presença da filha adolescente do assassino, que vive sob o mesmo teto e sob a mesma opressão. O olhar dele sobre a menina é de vigilância e domínio, uma extensão da mesma lógica que levou ao assassinato. Essa convivência expõe como a misoginia se reproduz dentro de casa, moldando comportamentos e sustentando a desigualdade por gerações.
A dança, que surge em momentos chave, funciona como expressão de liberdade e identidade, um gesto corporal que desafia a vigilância e recupera espaço de mulheres para existir. Em um país onde o corpo feminino é regulado e policiado, esse movimento é também resistência, mesmo que íntima. A dança interrompe a opressão por alguns instantes, criando um respiro onde a palavra já não é suficiente.
Mas são instantes breves. Fora deles, a protagonista continua cercada por olhares que a medem e vozes que tentam calar o que viu. O espaço para falar é constantemente reduzido, e o peso de carregar a verdade sozinha se torna mais sufocante a cada dia. É nesse contraste entre o corpo livre e o corpo contido, perseguido, que se cria a verdadeira tensão.
Nader Saeivar conduz essa narrativa com precisão e economia, sem recorrer a gestos grandiloquentes. A câmera observa Tarlan em espaços fechados, corredores estreitos, ruas vazias, sempre cercada pela sensação de vigilância. Cada diálogo carrega tensão, cada pausa parece antecipar uma nova pressão. O tom é seco, contido, mas carrega uma energia subterrânea que cresce a cada obstáculo que ela enfrenta.
Ao longo do filme, o que está em jogo vai além do assassinato. É a denúncia como ato político, é a mulher que insiste em dizer o que viu mesmo quando todos ao seu redor a aconselham a esquecer. E é também a exposição de um país onde o gênero determina o valor da palavra, o alcance da liberdade e até a forma de existir, em público e na vida privada.
A Testemunha reafirma que contar o que aconteceu é enfrentar não apenas o autor do crime, mas todo um sistema que se alimenta do silêncio e da desigualdade. E, no olhar firme de Tarlan, permanece a força de quem se recusa a deixar a verdade e a própria existência desaparecerem.
Um grande momento
Na estrada