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Avatar: O Caminho da Água

Elegia à imagem

(Avatar: The Way of Water, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Ficção Científica, Aventura
  • Direção: James Cameron
  • Roteiro: James Cameron, Rick Jaffa, Amanda Silver, Josh Friedman, Shane Salerno
  • Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Stephen Lang, Kate Winslet, Cliff Curtis, Jack Champion, CCH Pounder, Britain Dalton, Jamie Flatters, Edie Falco
  • Duração: 190 minutos

O clímax de Avatar: O Caminho da Água dura quase quase 50 minutos, é verdade. Pensar nisso (e nos números coletivos da produção, como um todo) a seco é um bom ponto de partida para encontrar os ruídos de comunicação que podem acontecer entre o espectador e a obra em questão. Nesse momento da produção, agregam-se as melhores virtudes de seu realizador, que só serão apreciadas se toda e qualquer reserva já tiver descido por terra. De qualquer maneira, estamos diante de um diretor especialista em reverter quadros de natureza duvidosa, em prol do espetáculo. Quando todos duvidam de James Cameron, é que sua sanha espetacular se mostra mais eficaz e vistosa; aqui, o resultado é na base do espanto. 

A essa altura, as melhores e piores linhas já foram escritas na direção do filme, e o que Cameron promove de verdade não almeja outra coisa que não o entretenimento espetacular de quem assiste, mas é nessa chave que sua carreira se formou. Aqui não é diferente, mas a grande leitura é como se lida com essa simplicidade narrativa, e no quanto cada um de nós está disposto a abdicar para encarar o artifício. Ao contrário de grande parte da nova geração da crítica, eu não creio nesse argumento onde a estrutura narrativa pode ser suprimida em nome da experiência imagética. No entanto, Avataṛ: O Caminho da Água (e, em tese, a obra de Cameron como um todo) é a melhor aula possível a respeito da força e do poder da imagem, enquanto registro cinematográfico pleno e independente. 

Avatar: O Caminho das Águas
20th Century Studios

Ao se agarrar ao seu enredo, Cameron abre flanco para a conversa com o que aprendemos como sendo da ordem do clichê do cinema de gênero. Existe a proteção ao núcleo familiar acima de todas as coisas, as descobertas de um tradicional conto de crescimento, e o moto perpétuo da vingança hereditária. Conhecemos cada um desses lugares, e o filme está na verdade muito mais interessado em como transformar essas situações em experiência de cinema. O resultado é um campo de possibilidades para os sentidos, em um caminho de descoberta de maravilhas propiciadas pela tecnologia, que nos coloca como testemunha ocular de momentos absolutamente artificiais, e acreditar na veracidade de situações tão clichê quanto surreais. 

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A partir desse malabarismo, é o produto Avatar: O Caminho da Água quem sai ganhando, em forma. Após uma primeira parte mais cansativa, a ida da família da floresta para o mundo aquático é a porta de entrada para o filme que seu diretor gostaria de fazer. Cameron passa a defender a utilização mais óbvia de sua narrativa, mas em seu lugar de respeito injeta porções generosas de maravilhamento visual. É nesse momento que uma análise mais próxima do cinema vulgar vem a calhar aqui, por ter conhecimento das curvas dramáticas mais pobres e reiterativas, no que seu diretor responde com imagens que fazem jus a sua carreira. Nem mesmo a montagem a dez mãos delimita o filme a menos do que ele é, porque seu ritmo é de muita concisão, apesar de tudo. 

Não há como entrar nesse universo, afinal, e questionar o que nasceu para ser do jeito que é, de maneira consciente até. Cameron, como já sabíamos, que é um mestre na arte de construir sequências, pode até não realizar iconicidade em Avatar: O Caminho da Água como já o fez antes, mas o esforço para tal não soa inorgânico nunca. Toda a longuíssima passagem envolvendo os aprendizados dos Na’vi em uma nova cultura, da terra pro mar, e os paralelos entre pais, filhos e vilões em situações semelhantes, ainda que um chavão, funciona perfeitamente e encanta o olhar. Isso tudo porque o diretor entende o poder de construir essas sequências, da capacidade de sonhar que é preciso para que toda a verossimilhança seja um conceito obsoleto à experiência. 

Avatar: O Caminho das Águas
20th Century Studios

É em seu final, os tais 50 minutos supracitados, que Avatar: O Caminho da Água então expõe onde ficarão os espectadores do filme, se entre os detratores ou admiradores. Quem me conhece sabe que foram 13 anos não-esperando essa continuação, mal dizendo seu original; submerso ali, naquelas cenas, chorei. Chorei porque o cinema existe para isso, para a redenção de nossos erros – eu revi meus pensamentos, e Cameron reviu seu filme anterior, e de quebra todo o seu cinema. De Titanic a Piranha 2, passando pelo Exterminador do Futuro, está tudo em cena; é uma bela maneira de referendar 40 anos de feitos ao cinema-espetáculo, e ainda assim ser relevante à obra em questão, carregando para as cenas um senso de beleza, urgência, esteticismo e coerência com os valores construídos em cena. 

Os problemas narrativos estão presentes o tempo todo aqui: as cenas se repetem (e não de maneira metaforizada, apenas), os diálogos são muito fracos em diversas passagens, cada novo bloco de acontecimentos sabemos exatamente sua intenção e onde vai chegar, mas Avatar: O Caminho da Água não ambiciona essa revolução. Ainda assim, esse mesmo roteiro se mostra funcional ao reler esses personagens como refletores do nosso tempo, pro bem e pro mal. Além disso, emocionalmente, nem a revolução tecnológica é uma assertividade que se alcance; o espectador se maravilha não com as possibilidades de se fazer, e sim com o que é feito. Ao nos depararmos com a ideia decepada, do extraordinário azul que agrega a maior parte do longa para o inferno noturno do vermelho fogo que se ocupa durante o eclipse final, o maior trabalho foi feito. Estamos, enfim, conscientes do poder telecinético onde Cameron nos leva, sempre que a inspiração permite – dele e nossa. 

Um grande momento
Inúmeros, mas fico com o primeiro encontro entre Lo’ak e Payakan

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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