Crítica | Festival

Sometimes I Think About Dying

(Sometimes I Think About Dying, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Rachel Lambert
  • Roteiro: Stefanie Abel Horowitz, Kevin Armento, Katy Wright-Mead
  • Elenco: Daisy Ridley, Dave Merheje, Marcia DeBonis, Parvesh Cheena
  • Duração: 91 minutos

Tudo é muito bonito, arrumado e bem encaixado em Sometimes I Think About Dying. A música, o lugar. Fran está no meio dessa perfeita organização, é o seu reflexo, e passa os seus dias seguindo uma mesma chata rotina, observando aqueles que a sua volta não têm tanta precisão. Ela tem delírios diários de mudança, igualmente constantes, belos e esteticamente precisos. Fran fantasia sua morte, sozinha, sempre. Num escritório vazio, içada por um guindaste, tomada pela vegetação. Ela quer morrer.

No momento de abstração, sua fuga da solidão e do vazio é morrer na solidão e no vazio, tamanha é a sua dificuldade social. Mas Fran, que por vezes parece gostar de pensar em morrer, nem sempre gosta de ser assim. E é nesse ponto sutil de desconforto consigo mesma da personagem que a diretora Rachel Lambert quer chegar. Embora ele se torne mais óbvio em determinado momento do filme, há um trabalho muito preciso de percepção e exposição para chegar até ali.

Com roteiro de Stefanie Abel Horowitz, Kevin Armento e Katy Wright-Mead, e uma interpretação muito precisa de uma discreta e aqui mais britânica do que nunca Daisy Ridley (a Rey da nova saga Star Wars), a personagem demonstra uma curiosidade genuína por aqueles que conseguem se integrar, mas não há como não reparar na excitaçõa que sente, e isso está ali na pontinha da pontinha do pé roçando no tapete destacada por Lambert, quando vê o guindante subindo. E podemos ir até o titubear no preenchimento do cartão ou na sua postura durante o parabéns, que a diretora deixa em suspensão por um tempo.

Apoie o Cenas

Sometimes I Think About Dying mergulha nessa personagem e acaba sendo tudo que ela é, se transformando junto com ela. A desarrumação que vai tomando conta da sua vida à medida que as frustrações acontecem e as expectativas se frustram, o modo como as coisas saem do lugar quando ela tem que tomar atitudes que não fazem parte de seu cotidiano milimetricamente organizado e, mais, quando tem que se adequar a outra pessoa são demais para ela. Para além do que se vê, muito vem dos diálogos, da dificuldade antes percebida e que se faz óbvia no distanciamento, no silêncio e na negação.

Ela quer estar ali, mas ao mesmo tempo quer estar à léguas de distância, quer permanecer uma icógnita e odeia tudo que o outro gosta e, mesmo que tenha experimentado aquilo que nunca experimentou antes e gostado, prefere se fechar e voltar ao que conhece. Talvez seja no tornar-se evidente que Sometimes I Think About Dying perca um pouco de sua graça, pois compreender Fran foi um jogo que a diretora estabeleceu com o espectador desde o começo do filme e explicá-la demais quebra isso, mas é fato que ela conseguiu criar uma conexão forte e, neste ponto, já estamos envolvidos demais com ela. E vamos até o fim, caindo, inclusive, na armadilha fácil que armam para a gente.

Um grande momento
Morrendo com propriedade na banheira

[Sundance Film Festival 2023]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo