Crítica | CinemaDestaque

Baile das Loucas

Horrores de sempre

(Captives , FRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Arnaud des Pallières
  • Roteiro: Christelle Berthevas
  • Elenco: Mélanie Thierry, Josiane Balasko, Marina Foïs, Yolande Moreau, Carole Bouquet, Lucie Zhang, Miss Ming, Dominique Frot
  • Duração: 105 minutos

O hospital Salpêtrière, na França, ficou famoso mundialmente por algumas infâmias cometidas entre seus aposentos, como a prática de receber mulheres sãs como doentes psiquiátricas internadas lá contra a sua vontade, para receber tratamentos criminosos. Sua história como palco de descobertas no campo da psicologia foram atropeladas pelos relatos absurdos de vítimas de extorsão familiar, de esposas mantidas em cárcere pelos maridos, tudo isso acontecendo entre seus muros com a conivência de seus profissionais. Essa semana chega aos cinemas Baile das Loucas, mais uma produção a abordar o assunto recentemente, que cria uma atmosfera propositadamente exuberante (e bastante opressiva) para mostrar um retrato desse tempo de crimes. 

O cineasta Arnaud des Pallières tem bom trato com dramas históricos, como Michael Kohlhaas e Faces de uma Mulher provam, o que confere uma uniformidade ao filme no que diz respeito a sua liturgia cênica. Passado há 150 anos, o filme apresenta uma narrativa que já acompanhamos em outros filmes, como Garota, Interrompida e Bicho de Sete Cabeças, e o que o diretor agrega de novo aqui é a sua visão estética sobre esse esquema. E não podemos negar que, se Baile das Loucas impressiona com seu exotismo visual logo de cara, o que é conseguido ao longo da produção provoca uma dubiedade de sentidos. A cada nova passagem nos faz ao mesmo tempo deixar-se seduzir pelo fascínio de imagens e acompanhar perplexo o horror dos eventos. 

O filme deseja provocar aquelas histórias verídicas de um passado de horror através de um roteiro de ficção a partir daqueles eventos; ou seja, o que vemos não é real, mas pode ter sido. No centro da ação está uma mulher que foi separada da mãe ainda criança, e que aparenta ter sido vista internada no hospital. A protagonista de Baile das Loucas então pede pela própria internação, para conseguir a chance de encontrar a mulher perdida em sua memória. Ela imaginava que o pior iria acontecer a partir de sua decisão, mas o que ela acaba por viver é além dos limites da perseguição e perda da própria voz para tornar-se uma verdadeira pária social, cujos direitos são perdidos. O filme investe na amostragem desse terror, para contrabalançar tais elementos com uma beleza tão opressora quanto. 

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É desse lugar que saem a força das cores e a textura das imagens, que se revelam cada vez mais pertinentes nesse universo exclusivamente feminino. Os homens entram em cena apenas no clímax do Baile das Loucas, mostrando que evoluímos verdadeiramente pouco ao longo dos tempos. Nenhum predomínio estético está posto com a intenção de esconder tais denúncias, e sim de tornar visível um grito constante da narrativa. Esses excessos acabam por evidenciar a totalidade de tons que são empregados na produção, que vai do barroco ao clássico às vezes em um mesmo plano ou figurino. Nada disso é percebido pelas personagens, e sim por nós que vemos o avanço da maldade humana quando a doçura e a empatia deveriam ser preponderantes. 

O trabalho das atrizes é outro ponto alto da produção. É um grupo muito talentoso, das protagonistas às coadjuvantes, e suas capacidades se enquadram em tipos carregados de complexidade, sejam vistas pela ótica que for. Talvez o trabalho mais complexo em cena seja o de Josiane Balasko, mas não porque sua personagem é vilanizada, mas justamente por conseguir trafegar dentro de um machismo estrutural sem perder a humanidade e até uma certa delicadeza em um mundo aterrador. Ainda assim estão todas brilhantes, da personagem central vivida por Mélanie Thierry até o corpo mais carregado, que é o de Marina Foïs, passando pelo igualmente sinuoso trabalho de Carole Bouquet. A lamentar que o roteiro não tenha desenvolvido mais a personagem da jovem Lucie Zhang (de Paris, 13º Distrito), uma atriz que parecia de um tipo com personalidade marcante. 

Com um clímax longo repleto de vivacidade nas cores e nas ações, Baile das Loucas é um filme que joga sua denúncia pra frente assim como a outra produção sobre o tema, de título homônimo (exatamente, um outro Baile das Loucas), em cartaz no Prime Video. Isso é feito dentro de um esquema narrativo que poderia ser utilizado inclusive em filmes de resgate em prisão. Ainda assim, o passatempo é suficientemente sofisticado e bem interpretado para que o espectador mantenha o interesse intacto. 

Um grande momento
O flagrante da fuga, cara a cara

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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